Com a aproximação do natal, tive a ideia de convidar meu amigo Clayton De La Vie (autor de livros como "A Mancha" e "Seres do Além") para escrever um pequeno conto de horror que se passasse nessa data tão comemorada. Logo que fiz o convite ao Clayton, contudo, arrependi-me de imediato de tê-lo feito – não por duvidar da capacidade literária dele, mas justamente por saber que ele com certeza me apresentaria uma boa história sangrenta relacionada ao natal. Isso pode não estar fazendo muito sentido para quem está lendo, mas vou explicar a razão do meu "arrependimento": apesar de ser uma comemoração infestada de propagandas aproveitadoras e de mercantilização exagerada da ilusão de felicidade, o natal, para mim, é, realmente, uma época de magia, alegria, amizade, reconciliação e generosidade. Muito embora eu não esconda de ninguém meu profundo amor pela ficção macabra, por alguma razão estranha (talvez até infantil), não gosto muito de ver papai noel, neve, luzes coloridas e chocotones deliciosos serem relacionados a horrores grotescos de sangue e morte.
Ainda assim, o Clayton – que nem sabia dessa minha íntima relação com o natal – me apresentou um conto que, apesar de curto, é muito forte, capaz de gerar grande desconforto no leitor mais sensível. O conto é chocante, simples e direto, com várias das qualidades que marcam o estilo literário desse interessante autor brasileiro.
Por fim, a despeito da minha "fraqueza" em relação ao natal, tive de admitir para mim mesmo que o conto é, de fato, impactante, de modo que não tenho mais tanta certeza se eu me arrependo de ter feito o convite a esse meu amigo, no final das contas.
Segue, portanto, o conto:
SUSSURRO
Por Clayton De La Vie
Além do cheiro forte de uísque
barato que tomava o lugar, uma densa nuvem de fumaça se instalou no pequeno
cômodo. Tudo, é claro, resultado de mais uma noite terrível e tragadas
prolongadas de um cigarro cuja caixa tinha sido aberta há horas e que,
fatalmente, estava no fim.
Diante da tela do computador
antigo, Pedro ansiava em terminar o maldito relatório pedido por seu chefe na
véspera do Natal. Os cigarros e o uísque eram suas únicas companhias, a forma
que encontrara de se desligar das brigas que aconteciam na sala ao lado, o que,
quase sempre, era feito com êxito, apesar de às vezes a bebida e os cigarros
entorpecerem os seus sentidos.
Sua sogra, como todos os anos
anteriores, chegara na casa do Pedro para a tradicional ceia de Natal. A esposa
e os dois filhos foram os únicos a se alegrar com a presença da mulher. Pedro
sempre a detestou, e não fazia por menos. Helena, a sogra, jamais aprovou o
casamento que a filha teve com um simples assistente administrativo e sempre
que possível alfinetava a relação.
Assim que a mulher entrou na
sala, Pedro se retirou do lugar e foi terminar o relatório; não que ele
quisesse se perder em mais algumas planilhas, mas por não aguentar a presença
da megera.
Ao clique da chave trancando a fechadura da porta, eis que mãe e filha
começaram a discutir em alto e bom som. Pedro conseguira escutar tudo, até a
sogra ressaltando o quão frouxo ele era.
Havia muito tempo a caixa de
cigarros e a garrafa de uísque estavam engavetadas na escrivaninha, e não
tardou para que o homem se deleitasse com ambos os sabores.
Conforme o tempo se arrastava, o
barulho na sala ficava mais alto, parecendo penetrar em sua mente. O relógio
pendurado na parede à frente marcava onze e meia da noite.
Um sussurro próximo ao seu ouvido
fez Pedro se arrepiar. Remexeu-se na cadeira por uns segundos, ao mesmo tempo
em que a voz se intensificava.
Uísque, mais uma dose. De uma
vez.
A voz sumiu, e ele suspirou
aliviado. A nuvem de fumaça começava a se dissipar, e a voz retornou:
“Faça”, murmurou, em meio a grunhidos.
Decidido, Pedro largou o copo
vazio sobre a mesa, abriu a porta e deu de cara com a sogra. Ela ria
descaradamente, mas o homem não se importou. Continuou percorrendo os
corredores da sala e desceu uma extensa escadaria a passos rápidos até atingir
a garagem. Lá, de uma maleta de ferramentas, pegou um grifo. Subiu apressado e, de novo, se deparou com a sogra, de braços cruzados,
perto da sua esposa e dos seus filhos.
Olhou para o relógio de pulso:
marcava meia-noite.
E, então, suspendeu a ferramenta
ao ar e desferiu três golpes contra a cabeça da megera, que caiu morta no chão,
com o sangue escorrendo por uma profunda abertura na testa. Pedro voltou seu
olhar para a esposa, seus olhos esverdeados esbanjavam malícia:
— Feliz Natal — desejou, cravando o grifo,
também, na cabeça dela.
...
Clayton De La Vie nasceu em agosto de 1994, em Franco da Rocha (SP), e começou a escrever muito cedo. Atualmente, com vinte e um anos — entre novelas, contos e noveletas — tem quatorze obras publicadas. Dentre elas, destacam-se "A Mordida do Vampiro", que assina como Laerte Verrier, e "Seres do Além". Amante da boa música, se delicia ao som do bom, velho e fedorento Rock 'N' Roll.
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