segunda-feira, 24 de maio de 2021

LABIRINTOS NA MENTE, QUIMERAS NO CORAÇÃO

Há vezes em que a vida nos aprisiona em labirintos que são maiores por dentro do que por fora.

Quem olha do exterior vê apenas uma caixa, uma caixa minúscula, lacrada, insignificante: um ponto desprezível na vastidão de um mundo potencialmente sem fronteiras. Contudo, como a caixa é diminuta, o aprisionado se sufoca nessa clausura, sem enxergar luz nem imaginar que possa existir ar. Ainda assim, como a caixa é muito maior por dentro do que por fora, ele vagueia perdido, sozinho, em um emaranhado de caminhos espinhosos que provavelmente não tem fim: um labirinto que com toda certeza não tem saída, já que nunca teve entrada.

Mas como poderia nosso sofredor estar encerrado nesse labirinto se nenhuma dessas paredes tem porta pela qual ele pudesse ter entrado? A resposta, dura, é inevitável. A lógica é infalível: foi ele, o próprio aprisionado, que ergueu as paredes que o aprisionam. Foi ele, incônscio, que edificou tijolo a tijolo sua câmara de torturas. Ele foi o arquiteto e o mestre-de-obras de sua própria danação.

Mas, se o aprisionado foi o criador desses corredores desordenados, não deveria ele possuir a chave capaz de o libertar? Quem sabe pelo menos conhecer a estrutura da planta do labirinto, a fim de percorrer os caminhos menos massacrantes?

Não.

Não é assim.

Provavelmente nosso herói acreditava construir um belo palácio, não uma masmorra. Talvez sua atenção estivesse toda concentrada nos prazeres do ofício delicado e quase artístico que para ele era ornamentar a arquitetura, embelezar os detalhes, aparar pequenas arestas. Talvez – quem sabe? – ele estivesse deleitado na construção do que pensasse ser uma linda escultura. Seja como for, o fato é que não se toma notas quando se crê estar fazendo o bem. Não se preenche relatórios minuciosos quando se acredita estar produzindo algo que seja verdadeiro, que seja sincero, que seja belo.

À parte do que pensa o aprisionado, ele continua preso. O concreto é indiferente ao pensar e ao sentir. É indiferente até às palavras.

As paredes são sólidas e maciças (ele bem o sabe: foi ele que as fez assim!), de modo que pela violência, pela força bruta, ele não vai conseguir escapar de lá. Ele até tenta, mas com isso só consegue se ferir ainda mais. Se continuar tentando, vai se esfolar e quebrar todos os ossos. Será que ele deseja se tornar não só uma psique, mas também um corpo fraturado?

A mente, neste caso, é igualmente inútil. Os caminhos desse labirinto são intricados demais. A inteligência de um deus talvez fosse capaz de deslindá-los. Mas ele é apenas um ser humano. Um ser humano de carne, osso e coração. E um ser humano demasiado frágil.

Além disso, talvez o labirinto não seja como os outros. Há motivos para crer que se trate de um labirinto em linha reta.

Talvez o labirinto nem sequer seja geométrico.

Um labirinto no tempo? Um labirinto topológico? Um labirinto imaginário?

Já vimos que nem o corpo nem a mente vão o libertar de lá. A imaginação é uma possibilidade. Mas, enquanto não estiver bem ordenada, essa potência imaginativa, ao invés de desfazer as paredes, no interior do labirinto só fará crescer minotauros.

Então o aprisionado mutila também a imaginação: seu bem mais precioso.

A única coisa que o aprisionado parece não querer mutilar – e só ele tem o poder para isso – é o baú, escondido, sob carne e sangue, no sótão escuro de seus sonhos. O baú dentro do qual se esconde, amedrontado, o próprio labirinto.

Um comentário:

  1. Só vim comentar nesse post que conhece seu blog recentemente, por uma tradução do conto 'i have no mouth and must scream" é está sendo uma puta experiência daora, me lembro o início da minha vida na internet

    ResponderExcluir