sábado, 21 de janeiro de 2017

Outros motivos


Certa vez, neste link, eu disse que "escrevo por três motivos fundamentais: o primeiro é brincar com o estilo. O segundo é vasculhar estados de consciência. O terceiro eu não sei qual é".

Meu amigo Luciano Otaciano comentou que, para ele, escrever proporciona uma sensação indescritível de liberdade, "igual a um acorrentado que se livra das malditas correntes".

De minha parte, acho belíssimo o ideal de buscar a liberdade plena por meio da literatura, e admiro quem o faz, pois esse é um caminho esplêndido. Confesso, entretanto, – e confesso não sem o receio daquele que caminha por perigoso terreno desconhecido tentando traçar um mapa – que, para mim, a questão assume nuances mais complexas e tormentosas.

Há vezes em que, escrevendo, me sinto, sim, livre como uma águia a singrar o céu e as nuvens, mas há vezes em que me sinto agrilhoado em um quarto escuro infestado de fantasmas que não se calam. Alguma força maior – interior ou exterior, ainda não descobri – me obriga a escrever, mesmo quando não me sinto nem um pouco capaz de expressar em palavras tudo aquilo que se revira, inquieto e amorfo, dentro de mim. Nesses casos, sou não mais do que um mero instrumento, um refém de algo cujas origens, índole e natureza desconheço.

Tanto assim que, embora eu fique extremamente lisonjeado quando alguém diz gostar de meus escritos, em uma região sombria e menos vaidosa da minha mente eu sinto que eu não posso dizer "meus escritos", "meus contos", "meu livro" ou "minha obra": não posso dizer isso simplesmente porque eles não são meus. São apenas o que eu "recebi" e tentei (talvez com algum mínimo sucesso) traduzir em palavras.

Isso tudo, paradoxalmente, conduz a algum tipo de liberdade, algum tipo de realização. Algum tipo de Vida.

É por isso que dou mais valor aos leitores e àquilo que ainda está por vir do que àquilo que publiquei no passado: embora digam sempre que livros são capazes de mudar a vida das pessoas (o que é verdade, para o bem e para o mal), nunca podemos nos esquecer de que são as pessoas que mudam os livros, pois são elas que lhes conferem significado.

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