sábado, 28 de outubro de 2017

Uma página de loucura


O filme "Uma Página de Loucura" (Kurutta Ippēji), de 1926, foi uma das principais influências que tive para escrever A Caixa de Natasha.

Apesar de no livro haver apenas uma única referência direta (embora sutil) ao longa-metragem, a ideia para a atmosfera geral da história, com distorções de percepção em um hospício decadente que se assemelha a um pesadelo dentro de um caleidoscópio, deve muito a esse obscuro filme experimental japonês de Teinosuke Kinugasa.

Algumas curiosidades sobre "Uma Página de Loucura":

– O longa-metragem foi um dos primeiros filmes a serem realizados no Japão. Trata-se de uma obra de vanguarda, escrita e dirigida por Teinosuke Kinugasa em conjunto com Riichi Yokomitsu (escritor modernista e fundador do movimento literário Shinkankakuha – a "Escola das Novas Sensações" – da qual também fazia parte o jovem Yasunari Kawabate, que mais tarde viria a ser agraciado com um Prêmio Nobel de literatura);
– "Uma Página de Loucura" foi um experimentalismo bem-sucedido que intentava transpor para a linguagem cinematográfica vários dos aspectos trabalhados nas vanguardas artísticas europeias do surrealismo, dadaísmo, futurismo, cubismo e expressionismo. Por isso, o filme, influenciando-se nos trabalhos pioneiros do terror de "O Gabinete do Dr. Calligari", de Robert Wiene, e das técnicas e teorias de montagem de Sergei Eisenstein, valeu-se de recursos inovadores e ousados para a época, como, por exemplo, distorções de imagem, planos subjetivos, abuso de flashbacks, cenários sombrios e angulosos, jogos de espelhos, sobreposições de áudio e vídeo, símbolos desenhados sobre a película, cortes bruscos na edição e sequências fragmentadas, quase desconexas, tudo para representar o ambiente opressivo do hospício e as subjetividades delirantes das personagens;
 Muitos filmes da era do cinema-mudo se perderam para sempre, tanto em razão de guerras e desastres naturais quanto em decorrência da falta de cuidado dos seres humanos (vale lembrar que, nessa época, as películas que continham os filmes eram altamente inflamáveis, e ainda não existia, na maioria das pessoas, a noção intuitiva de preservar obras cinematográficas que no futuro poderiam ser reconhecidas como de alto valor artístico). "Uma Página de Loucura" foi dado como perdido por muitos anos, pois um incêndio ocorreu nos estúdios em que se encontravam as únicas cópias do filme. Segundo relatou Teinosuke, o filme só foi redescoberto em 1971, esquecido num galpão de ferramentas do jardim da casa dele. O diretor, então, trabalhou na restauração da película e fez a reedição do longa-metragem, alterando o mínimo possível a obra original. Ainda assim, especula-se que cerca de um terço do filme se perdeu em definitivo;
 Não se trata de um filme fácil de se assistir: preto e branco, mudo, sem uma trama discernível... É importante lembrar que, na década de 20 do século passado, filmes mudos eram apresentados com acompanhamento de pianistas que faziam a trilha sonora ao vivo e de narradores que explicavam para a plateia o que estava acontecendo na trama. Ainda assim, mesmo hoje vale a pena conhecer algumas das cenas do filme, seja pelo valor histórico, seja pela audácia do experimentalismo, seja pelas sensações incomuns que "Uma Página de Loucura" transmite.

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