terça-feira, 14 de agosto de 2018

CRIE! – Um apelo à sadia loucura que existe no interior de cada um de nós


“Viver é como andar de bicicleta: para ter equilíbrio você precisa se manter em movimento” – Albert Einstein.
O tempo, fatalmente, envelhece e mata. Não apenas as pessoas e as coisas, mas também cada partícula daquilo que existe dentro das pessoas e das coisas. Até mesmo ocorrências imateriais envelhecem: pense, por exemplo, na rotina perdendo seu sentido, nos hábitos familiares se tornando monótonos, nos costumes deixando de ter significado, naquela piada que já foi contada um milhão de vezes e em tudo o mais que se prolonga por muito tempo sem se reinventar.

A única salvação é a renovação. Mudar. Deparar-se com o inesperado, ou ao menos com o incomum. A ruptura às vezes dói, mas dói menos do que a dor lenta que inevitavelmente nos consome ano a ano, mas também minuto a minuto, segundo a segundo, instante a instante, quando não mudamos.

A melhor forma para escapar desse desgaste insidioso é criar. A criação livre, ativa e voluntária (a que alguns chamam de Arte) é a forma mais pura de mudança e, portanto, o melhor meio de renovação.

A grande maioria das religiões, filosofias e crenças, gnósticas ou não, apesar de diferirem muito entre si numa infinidade de pensamentos e interpretações sobre nossa origem e vocação, afirmam em uníssono que o ser humano foi feito à imagem e semelhança do Criador. Não me refiro diretamente a Deus (menos ainda ao Deus católico), mas sim à força criadora que nos originou, seja lá o nome que se dê a ela ou a natureza que para ela se imagine (Deus, Alá, Brahma, Javé, Big Bang, o Vazio, etc.). Nesse sentido, o que temos em comum com a divindade é justamente a capacidade de criar. A criação, por mais simples que seja, divinifica o homem, aproximando-o de sua essência (para os ateus, a quem peço um pouco de tolerância nessa passagem, recomendo que, nessa linha de raciocínio, pensem no que aqui chamo de “divindade” como sendo a razão de ser de cada indivíduo: a potência oculta que nos faz seguir adiante, sem qualquer conotação esotérica ou religiosa – algumas pessoas gostam de pensar na palavra "Deus" como uma sigla para "Dentro, um EU Superior").

Criar, sem preconceitos, sem medos, sem vaidosas pretensões: é isso o que nos dá energia. Criar sem receio das avaliações dos outros, sem nos preocupar com a qualidade, para olhos alheios, daquilo que é criado. Criar por criar, simples assim.

Perceba que, quando um trabalhador está mais exausto do serviço mecânico e sem-sentido que vem realizando há oito, dez horas, ou naquele momento em que um funcionário burocrático está se sentindo mais massacrado pelo cotidiano passivo e repetitivo que lhe marca a passagem do tempo, são nessas horas em que, muitas vezes sem se dar conta disso, de modo quase que involuntário, essas pessoas assoviam aleatoriamente, batucam com os dedos na mesa, cantarolam melodias inventadas de supetão. É o corpo dando um aviso que vem direto da mente: “algo está errado, precisamos mudar ou então nossos neurônios vão entrar em pane! Vão secar e murchar!”. E, com isso, os músculos e nervos agem por conta própria, fazendo aquilo de que sentem mais falta: criar! Criar assim à toa. Qualquer coisa serve. Não se trata de uma sinfonia pomposa para deleitar uma exigente plateia em expectativa, mas sim de um simples assovio inocente que, se tudo correr bem, não será ouvido por ninguém e que não tem função outra que não seja a de existir, a de ser criado, ainda que à esmo. E é aí que reside a beleza. A necessidade essencial daquilo que não tem finalidade prática alguma (Paulo Leminski chamava a poesia de “inutensílio”). A fome pelo abstrato. O desejo de libertação dos limites da racionalidade: a racionalidade, essa nossa benção e maldição, que é tanto o instrutor dos nossos passos quanto o insensato ceifador das nossas asas.

Por isso, crie. Quando tiver tempo, desenhe, rabisque, pinte, escreva um poema, faça um bordado, desenvolva personagens, invente uma brincadeira, elabore um problema geométrico, cante, dance, faça esculturas, componha canções, inove em seu ambiente profissional, codifique um jogo eletrônico ou programa de computador, alimente um blog pessoal, rabisque em um diário, perca-se em pensamentos estranhos e talvez até improdutivos... Enfim: deixe sua marca em algum lugar do mundo, mesmo que seja onde ninguém possa ver. E trabalhe. Trabalhe muito. Trabalhe muito e, se possível, com prazer. Pois nenhuma criação surge sem trabalho, e sem ele não se chega a lugar nenhum (lembre-se da fórmula da Física: Trabalho = Força X a Distância a ser percorrida).

Da sabedoria dos Upanishads: “Somos como o sonhador que sonha e depois vive dentro do sonho”.

Também dos Upanishads: "Deus é o silêncio, e o mundo é a música desse silêncio".


Om.

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