domingo, 2 de setembro de 2018

Entrevista: Melvin Menoviks no blog Tudo Online Virtual


Entrevista originalmente publicada no blog Tudo Online Virtual em abril de 2018. Nesse bate-papo super abrangente, respondi a algumas perguntas inteligentes (além de divertidíssimas!) feitas pelo pessoal do blog Tudo Online Virtual, falando sobre temas que me são muito caros, como, por exemplo, os impulsos que levam uma pessoa a escrever ficção, os desafios que o escritor tem de enfrentar para encontrar a própria voz literária e os mistérios que caracterizam uma alma atraída pela ficção de horror. Além disso, também me arrisquei em algumas confissões auto-biográficas, comentando sobre minhas influências tanto nos livros quanto no cinema e relatando algumas vivências interessantes.

Confira a entrevista completa:

Sávio França (do blog Tudo Online Virtual): Primeiramente, queria agradecê-lo por ter se disponibilizado a me conceder esta entrevista.

Melvin Menoviks: Eu é que agradeço pelo seu interesse no meu trabalho e pela oportunidade concedida. É um prazer poder conversar sobre literatura!

Sávio França: Seu nome de batismo é Gustavo Lopes Perosini. Por que você decidiu usar o pseudônimo Melvin Menoviks?

Melvin Menoviks: São vários os motivos, mas confesso que, quando decidi utilizar o pseudônimo, escolhi menos por motivos racionais do que por uma forte sensação intuitiva de estar fazendo a coisa certa. Foi algo do tipo: “sim, é isso! Eu não sei exatamente por que, mas esse livro não é do Gustavo, é do Melvin Menoviks”. Com o passar do tempo vim a confirmar que minha intuição estava correta: em primeiro lugar, Melvin Menoviks é um nome que, de alguma forma, sintetiza muito do que eu procuro inserir na minha obra (é um nome misterioso, sonoro e que me inspira uma atmosfera simultaneamente estranha e familiar, como a de um sinistro sonho ou devaneio sob o entardecer); depois, há a questão da privacidade e da intimidade: sou uma pessoa que gosta de manter em segredo algumas partes da minha existência, e, além disso, dou grande valor a aspectos da vida que nada têm a ver com a literatura. Se eu publicasse os contos sob meu nome verdadeiro, as pessoas tenderiam a olhar para o Gustavo apenas como o escritor de histórias de terror, ignorando todo o resto do que eu sou, o que é tremendamente limitante. Gosto de acreditar que eu sou mais do que isso, que eu sou, sim, o escritor de terror, mas também o cara que gosta de ver um filme de comédia de vez em quando, de sair com os amigos para tomar uma cerveja, de fazer piadas, de falar bobeiras, de ir a show de rock, etc. Além do mais, usar pseudônimo é bom para evitar que o ego e a vaidade cresçam para fora do controle. Vejo escritores por aí que só vivem de vaidade, que ficam o dia todo no facebook falando “meu livro isso, meu livro aquilo”. Eu não os censuro, porque sei que isso é importante para eles, mas eu não quero isso para mim. Gosto de escrever e procuro fazer o melhor trabalho possível, mas não vou deixar que minha felicidade dependa de eu ficar me autopromovendo a todo momento em redes sociais. Por isso criei essa “persona” Melvin Menoviks. Nada mais do que um nome inventado para uma partezinha de mim que eu compartilho com as pessoas quando o assunto é literatura macabra. Uma parte sincera e extremamente significativa, mas ainda assim apenas uma parte: não se trata do Gustavo por inteiro. É só uma faceta de quem eu sou; o resto eu preservo para mim.

S.F.: Quando você começou a se aventurar pelo mundo da literatura? E qual foi o momento em que percebeu que era a hora de escrever um livro?

M.M: Eu comecei a ler um tanto tarde. Na infância e pré-adolescência eu costumava ver muitos filmes e jogar video-game, mas não ler. Foi só na adolescência, algo em torno dos 15 ou 16 anos, que eu comecei a ler pra valer. Sinto que antes eu não tinha o hábito da leitura por ainda não ter encontrado nada na literatura que me atraísse de verdade. Descobri-me como leitor apenas quando, com cerca de 17 anos, entrei de cabeça nos universos de Poe, Lovecraft e Dostoievsky, entre alguns outros autores. Como eu sou uma pessoa inquieta e que prefere aprender de modo ativo, por meio de experimentalismos, tentativas e erros, aos 16 anos, por influência de um amigo e de uma velha coletânea de contos de terror organizada pelo Alfred Hitchcock, escrevi meu primeiro conto, que foi quando eu comecei a perceber a beleza que existe nas letras. Costumo dizer que é tentando criar por conta própria que a gente descobre os mecanismos ocultos mais interessantes que guiam uma boa história. É igual resolver um cubo mágico: veja alguém resolvendo um desses e você pode ficar surpreso e admirado, mas tente você mesmo rodar as faces, linhas e colunas até deixá-las todas do jeito certo e você vai começar a compreender as dificuldades e os desafios reais que existem ali, e então você vai ficar verdadeiramente maravilhado com a beleza secreta do brinquedo. Literatura é a mesma coisa, só que com palavras, ideias, pensamentos e sentimentos. Por isso, depois dessa primeira experiência na escrita, eu não parei mais – e até hoje estou aprendendo, experimentando e arriscando coisas novas.

S.F.: A Caixa de Natasha e outras histórias de horror é o seu primeiro livro. A obra apresenta contos macabros e assustadores. Você já sofreu algum tipo de preconceito por escrever esse tipo de história? O que mais te atrai nesse gênero?

M.M: Se alguém já foi preconceituoso comigo por causa do gênero em que escrevo, eu fui ingênuo o bastante para não perceber (risos). Claro que, como nem todo mundo está familiarizado com esse estilo em particular ou mesmo com a criação de ficção de um modo geral, algumas “falhas de comunicação”, por assim dizer, acontecem (coisas do tipo: pessoas achando que eu gosto de ver gente sofrendo ou vídeos de mortes reais só porque eu escrevo literatura macabra, quando a verdade é que eu detesto esses vídeos e sou contra qualquer tipo de violência no mundo real). O terror na ficção me atrai quase que de uma forma sobrenatural, e é assim desde que eu me entendo por gente (e acredito que até antes disso!). Creio que o que mais me fascina no terror é a possibilidade praticamente ilimitada que ele proporciona para explorarmos coisas novas, desconhecidas, e, nesse ambiente sem fronteiras, pôr em movimento toda nossa imaginação. O terror fantástico possibilita que usemos nossa imaginação em um nível profundamente abstrato, sem nos deixar engessados em parâmetros morais ou exclusivamente racionais, o que cria as bases para que exercitemos ao máximo algumas regiões de nossas mentes que, no dia a dia, costumam ficar esquecidas em um compartimento escuro, lá no fundo desconhecido de nós mesmos. O terror, enfim, é um gênero que exige coragem, e eu gosto disso!

S.F.: Como foi o processo de escolha do título da obra?

M.M: A princípio eu ia publicar apenas uma coletânea de contos curtos intitulada “Sonhos e Horrores”. Mas algo não me parecia certo, embora eu ainda não soubesse qual era o problema. Os contos estavam bons e o título tinha tudo a ver com a atmosfera geral das histórias, mas alguma coisa não se encaixava. Então, quando eu terminei de escrever a noveleta A Caixa de Natasha (cujo título não poderia ser outro – e quem leu a história sabe do que eu estou falando), decidi de imediato incluí-la no livro, como a história que o fecharia, e decidi também que seria ela a dar o título ao livro todo, por ser a narrativa mais longa e aquela que sintetiza em uma história só boa parte dos principais elementos da obra (mistérios sobrenaturais, tensão constante, fenômenos psíquicos incomuns, atmosfera sombria, personagens atormentados, reviravoltas súbitas, desfecho surpreendente ou pelo menos aterrorizante, clima de delírio, terror difuso com ameaças sempre à espreita, etc.). Hoje percebo como “Sonhos e Horrores” era um título fraco e um tanto amador. Estou bastante satisfeito com o título “A Caixa de Natasha”, que me parece ter tanto uma sonoridade quanto um conteúdo de sugestões enigmáticas no tom adequado para o livro.

S.F.: Quando li A Caixa de Natasha e outras histórias de horror, percebi que seus contos acabam tocando os sentidos do leitor. O que você busca passar em suas histórias?

M.M: Gosto de explorar todas as possibilidades que a escrita proporciona, tentando tocar o leitor não apenas no intelecto ou no coração, mas, como você bem disse, também nos sentidos: nas sensações mais nuançadas da experiência humana, naquelas coisas que não sabemos nomear e que experimentamos sem saber ao certo se fazem parte da nossa mente, das nossas emoções, das nossas almas ou de onde quer que seja. Acredito que um livro, por mais interessante que seja sua história, ficará seriamente prejudicado se for apenas uma história. Um bom livro deve ter uma boa história, sim, mas também um bom clima, um bom ritmo, uma boa voz que nos penetre no ouvido e nos domine de uma forma que até então desconhecíamos e para a qual não estávamos preparados. Porque as palavras não têm apenas significados: elas têm sons, cores, sabores, aromas, texturas e, principalmente, mistérios ocultos. Um bom escritor deve ser um malabarista com essas facetas ocultas das palavras, ele deve ser um músico e um pintor das letras sobre as páginas. Se não for assim, o livro fica raso e enfadonho. Por isso eu sempre busco ousar, fugir dos lugares comuns, virar tudo de cabeça para baixo e depois de baixo para cima, inventar esquisitices, chacoalhar tudo, arrebentar fronteiras e me inquietar ao máximo até descobrir algo que realmente valha a pena ser publicado, algo de incomum que tenha o potencial de expandir a imaginação, a criatividade e o mundo intelectual ou mesmo sensorial do leitor. Quero mexer com os meandros sombrios onde são produzidos os sonhos dos leitores.

S.F.: Já pensou em escrever um romance ou você tem predileção por contos, por histórias mais curtas?

M.M: Tenho predileção por histórias curtas, mas nunca imponho um limite ao número de páginas que determinada história vai ter. Meu compromisso é com a história e com a ideia abstrata que a ela subjaz, então eu deixo a ideia tomar seu rumo próprio, deixo a história ter quantas páginas precisar para cumprir com seu papel do modo mais honesto possível. Assim, é igualmente provável que minha próxima história seja um romance pynchonesco de mais de 500 páginas ou um conto bem lapidado de três parágrafos (embora, é claro, não haja como negar que um livro de 500 páginas demande muito mais tempo, esforço e trabalho organizado, com disciplina e método, e que talvez eu não esteja preparado para uma tarefa tão exigente neste momento).

S.F.: Embora muitos tenham conhecimento, alguns leitores ainda não sabem que horror e terror são gêneros distintos. Você poderia nos explicar as diferenças entre eles?

M.M: Antigamente eu dava mais importância a essa distinção, mas hoje eu não me importo muito com isso, porque, no final das contas, um bom texto é um bom texto independentemente do gênero em que ele se insira, e as melhores histórias são aquelas que fogem dos lugares-comuns e provam que sempre pode haver um gênero novo, um estilo ainda não desbravado. O legal é misturar tudo e confundir a cabeça do leitor e a de si mesmo! Mas, para não fugir da pergunta, explico qual é a distinção técnica que existe entre “terror” e “horror”: o “horror” se associa a uma violência mais explícita, a um choque brusco de aversão, a coisas grotescas e escatológicas, enquanto que o “terror” se relaciona à tensão que antecede o susto, tendo mais a ver com o suspense, com as angústias psicológicas, com a expectativa aflita, com o medo do que pode vir a acontecer ou com o que talvez tenha acontecido e ainda não saibamos. Além dessa distinção, há quem defenda, também com muita razão, que o “horror” é aquilo que inclui ocorrências sobrenaturais (monstros, espíritos, criaturas assombrosas, etc.), e que o “terror” só pode englobar ações humanas (daí porque utilizamos a expressão “terrorismo” para nos referir a certas maldades cometidas por seres humanos). Mas a diferença entre os termos é mais para fins de estudos acadêmicos ou de mera catalogação. Não há por que se preocupar demais com o assunto na hora de ler ou de escrever.

S.F.: Em 2016, seu conto O Sorvedouro das Almas Perdidas foi selecionado para integrar a antologia "Não Leia! – Contos de Terror", organizada pela Editora Fonzie. Fale um pouco sobre ele.

M.M: Eu simplesmente adoro esse conto! É um dos meus contos favoritos! Ele representa, para mim, uma vitória muito íntima, pois se trata de algo que eu queria fazer há muito tempo e que só com ele eu consegui alcançar. Desde que comecei a escrever que eu queria atingir o efeito que acredito ter conseguido com esse conto, criando um ambiente fantasmagórico povoado de aparições bizarras, pesadelares, que possuem alguma harmonia forte, mas impalpável, entre si. Trata-se de um conto com muitos experimentalismos linguísticos, sugestões fortemente sensoriais (do jeito que você gosta!) e situações não de todo explicáveis, mas que penetram profundamente nas zonas abissais do nosso inconsciente. O Sorvedouro das Almas Pedidas é um dos contos que mais me deixaram satisfeitos, tanto em forma quanto em conteúdo. Outro conto de que me orgulho bastante é “Sobreviventes”, que foi publicado na excelente antologia “Narrativas do Medo”, organizada pelo Vitor Abdala. Essa antologia conta com os principais nomes da ficção de terror feita no Brasil atualmente (Cesar Bravo, Rô Mierling, Alfer Medeiros, o próprio Vitor, entre outros) e é leitura obrigatória para os fãs do gênero e até mesmo para os curiosos que só queiram conhecer o que está sendo produzido de ficção fantástica em nosso país.

S.F.: Quais suas principais influências? E suas preferências de leituras?

M.M: É engraçado como, atualmente, minhas principais influências na hora de escrever sejam tão diferentes das minhas preferências de leitura. Explico: muito embora minhas maiores influências estilísticas e temáticas sejam, inegavelmente, Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, eu estou lendo relativamente pouco de literatura de terror. Estou sempre buscando ler coisas novas, angariar experiências diversificadas, então não fico só nessa fácil zona de conforto do terror, nesse espaço que eu já conheço tão bem. Hoje em dia eu leio com alta frequência, e coisas variadas, indo desde literatura de ficção barata até materiais científicos de certos assuntos que me interessam em particular. Tudo isso possui impactos diferentes na minha escrita, tornando-se difícil especificar o que influenciou o quê. Mas vou falar alguns dos meus autores favoritos, sem me ater a gêneros, estilos ou épocas, e deixo para os leitores o desafio de dizer até que ponto, ou em que aspecto, eu fui influenciado por eles: João Guimarães Rosa, H. P. Lovecraft, Italo Calvino, Salman Rushdie, Fiodor Dostoievsky, Dean Koontz e Will Self. Nos últimos meses li, e adorei, José Saramago, além daquele que, para mim, é o escritor contemporâneo mais interessante de todos: Gonçalo M. Tavares. Esse cara com certeza vai ganhar um Prêmio Nobel logo-logo.

S.F.: Você escreveu e dirigiu um curta-metragem intitulado “SOMNIUM”. Conte-nos mais sobre essa experiência de escrever para outro formato.

M.M: Eu realizei esse filme, de forma totalmente independente, bem antes de sequer sonha em publicar qualquer livro. Eu tinha 17 ou 18 anos quando o curta-metragem ficou pronto. Gravei SOMNIUM com vários dos meus melhores amigos, na cidade de Tabapuã, no interior de São Paulo, onde nasci. A gente já havia feito outros filmes amadores antes, mas a maioria deles tinha uma qualidade técnica demasiado baixa (éramos adolescentes, sem dinheiro nem experiência, então não dava para exigir muito de nós). SOMNIUM foi o primeiro filme que ficou realmente bom, e o segundo a nos deixar satisfeitos na questão técnica (o primeiro foi “Bilhete para o Inferno”, que é um curta-metragem de zumbis bem divertido, mas que ainda não tem a ousadia de SOMNIUM). Alguns anos depois, filmei, em Londrina, o curta-metragem surrealista “A Metamorfose de Mefistófeles”, que é um filme exageradamente experimental e, em definitivo, não recomendável para todos os públicos. Todos esses filmes estão disponíveis no Youtube, para quem tiver curiosidade. Mas já advirto que, apesar de terem sido feitos com seriedade e muita paixão, são filmes amadores, produzidos com orçamento zero. De qualquer forma, gravar SOMNIUM com meus amigos, filmando até mesmo em cemitérios durante a noite, permanece até hoje como uma das coisas mais legais que eu já fiz na vida!
S.F.: Qual o recado que você deixa para os leitores que ainda não conhecem seus escritos? O que eles podem esperar de suas obras?

M.M: Aos que ainda não conhecem nada do que escrevo, só posso convidá-los a se arriscar a adentrar nesse pequeno universo de pesadelos e enigmas e torcer para que se divirtam, com o coração aos saltos e suor frio sobre a pele arrepiada! Vocês podem esperar de tudo, exceto a frivolidade banal do dia-a-dia, porque nos meus livros eu não me preocupo com o que chamamos de “mundo real”, mas, sim, com as realidades esquecidas enterradas no sarcófago da mente.

Perguntas rápidas

Uma banda: Bauhaus.

Um passatempo: Puzzles (cubos mágicos, quebra-cabeças, etc.).

Uma realização: Poder usar meu tempo livre em atividades produtivas.

Um filme: Mansão do Inferno (Inferno, 1980, dirigido pelo Dario Argento).

Ser escritor: No Brasil, infelizmente, é economicamente inviável ser escritor profissional, mas, ainda assim, escrever a sério é uma das melhores atividades que alguém pode praticar para se descobrir enquanto pessoa, para expandir a mente e a alma e para aumentar o prazer de viver!

A Caixa de Natasha: Até eu tenho medo!

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