segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Rápidas considerações a respeito de traduções de obras literárias

Para esta semana, pretendo trazer aos leitores do meu blog a tradução que fiz de um conto, inédito em Língua Portuguesa, escrito por um autor muito caro a nós, amantes da ficção de terror. Não revelarei, ainda, qual é o conto ou o escritor em questão, mas posso dizer que, se você já leu algo dele, certamente você nunca mais vai esquecer.

Portanto, como uma prévia do que está por vir e uma advertência que faço para mim mesmo a fim de garantir a melhor tradução de que sou capaz, seguem algumas rápidas considerações que, ao meu ver, são indispensáveis para qualquer leitor a respeito de traduções de obras literárias:

SOBRE AS TRADUÇÕES

"Poesia é tudo aquilo que se perde na tradução" – Robert Frost

Você já parou para pensar que a esmagadora maioria dos livros de ficção que lemos não foram originariamente escritos no nosso idioma? Quase nunca nos damos conta disso, de  modo que ficamos achando que foram mesmo o Stephen King, o Lovecraft ou o Dostoiévski que escreveram as exatas palavras que temos na nossa frente durante a leitura, quando, na verdade, há um enorme trabalho de adaptação entre idiomas por trás daquelas páginas que lemos em Português. Aliás, não é raro que a única versão a chegar até nós, leitores brasileiros, seja uma tradução de uma tradução (tradução da edição em inglês de uma obra russa ou alemã, por exemplo). Sabendo disso, fica mais fácil imaginar o quão distante o texto que conhecemos pode estar do original, especialmente quando pensamos em obras pouco populares.

A questão da tradução pode parecer apenas um detalhe de pouca importância para o leitor ocasional, mas ela é muito mais significativa do que aparenta à primeira vista: trata-se de uma pessoa diversa do autor original recriando, com outras palavras, outras expressões e outros recursos idiomáticos, todo um trabalho linguístico que foi concebido a partir de bases diferentes: de materiais, ferramentas, ideias e conjunturas diferentes. A título de exemplo, é válido lembrar que um mesmo vocábulo pode ter mais de um significado em línguas diversas ("to be" pode significar "ser" ou "estar"; "run" pode significar "correr", "gerir" e até mesmo "concorrer"), e existem aqueles que simplesmente não possuem equivalentes em outras línguas (saudade, em Português; trade-off e facepalm, em Inglês; culaccino, em Italiano; fernweh, em Alemão; bakku-shan, komorebi e tsundoku, em Japonês; skumtimmen e smultronstället, em Sueco); há, ainda, particularidades de ritmo, de sonoridade, de efeitos dramáticos e de poesia que são mais propícios em determinados idiomas do que em outros, o que afeta toda a construção dos parágrafos e, consequentemente, da obra como um todo. Por exemplo: o simples fato de, no Inglês, o adjetivo vir sempre antes do substantivo, ao passo em que, no Português, normalmente usamos o contrário disso, já afeta – e muito – efeitos de suspense e impacto em uma frase.

Para complicar ainda mais, sempre existe o problema de se saber se o autor utilizou determinada palavra porque ela era a mais precisa para expressar o que ele pretendia ou se a intenção era mesmo causar dúvida ou dizer algo completamente diferente do que o tradutor pode ter interpretado (não se esqueça de que o tradutor é um ser humano como eu e você, e não uma máquina infalível – e mesmo o próprio autor pode ter se equivocado no uso de determinada expressão). Muitas vezes, a escolha por uma palavra, e não por outra similar, se dá muito mais pela sonoridade que ela tem ou por uma preferência íntima do autor do que pelo seu mero significado denotativo. Isso sem contar os casos de trocadilhos intraduzíveis, de jogos semânticos e sintáticos, de aliterações, assonâncias, paranomásias, ambiguidades, onomatopeias, catacreses e mais uma infinidade de figuras de linguagem com conteúdos variáveis em cada idioma. Como fazer em inglês, por exemplo, a infame piadinha do "você tem dado em casa" ou ser um tio chato que quer saber se aquele doce é "pavê ou pá comê"?
O mercado editorial brasileiro, em detrimento de publicações dos bons autores nacionais e do conseguinte desenvolvimento da literatura no nosso país, está predominantemente dominado por livros estrangeiros vertidos à Língua Portuguesa por tradutores que, na maior parte das vezes, nem sabemos quem são. De uma forma geral, nunca nos preocupamos muito em saber como foi realizado o trabalho do tradutor e, com isso, não nos atentamos à qualidade desse trabalho; ou melhor: por não termos como conhecer todos os livros em seus idiomas originais, uma análise consciente da tradução nos é praticamente impossível. Assim, quase sempre não temos como ter certeza se a tradução foi fiel ao original ou se, pelo contrário, particularidades do estilo daquele autor foram deixadas de lado, em uma verdadeira padronização impessoalizadora da obra, para satisfazer o que as editoras acreditam ser as preferências do público-alvo e, com isso, atender às exigências econômicas do mercado em prejuízo à genuína expressão literária.

Sobre isso, pergunto: para se traduzir um livro, é mais fácil conhecê-lo a fundo, considerando o contexto em que foi publicado e analisando todas as nuances do estilo do autor e as características da própria língua em que ele foi escrito, em comparação com a nossa, ou, simplesmente, fazer uma adaptação simplificada, acessível a qualquer pessoa, que fique pronta em poucos meses e possa ser comercializada o mais rápido possível? A resposta me parece óbvia, mas, se ainda lhe restarem dúvidas sobre o assunto, basta conhecer o polêmico caso da Editora Martin Claret, que foi acusada desde traduções e revisões mal-feitas até verdadeiros plágios de traduções de outras editoras. Sobre esse assunto, além da esclarecedora notícia disponível neste link, uma segunda opinião pode ser encontrada clicando aqui. Ainda assim, a despeito de todas as dificuldades mencionadas e de casos lamentáveis como o da Martin Claret, tenho fé de que boa parte das editoras brasileiras está se empenhando bastante para oferecer aos leitores traduções e revisões de boa qualidade.
Verter um livro para o nosso idioma de uma forma competente e com respeito ao original é um trabalho extremamente complexo e que exige estudo, paciência e capacidade para realizar escolhas difíceis. Além de pleno domínio de ambos os idiomas envolvidos, o tradutor deve conhecer as peculiaridades do autor, da época e do local em que o texto foi escrito e de todos os elementos sócio-culturais que envolvem a obra, bem como precisa saber comparar tudo isso com o contexto em que os leitores estão inseridos, fazendo todas as adaptações necessárias.

Foi exatamente por isso, por querer "sentir na pele" as dificuldades que envolvem a tradução de um texto literário e, a partir dessa experiência, conseguir compreender um pouco mais desse trabalho a que estamos à mercê em nossas leituras diárias, que resolvi, eu mesmo, trazer para a nossa língua um texto pouco conhecido de um gigante da literatura mundial. A experiência foi muito importante e enriquecedora para mim, pois pude sentir pelo menos um fragmento do que realmente significam essas dificuldades de tradução que, até então, eu conhecia tão somente na teoria. A todo momento, eu era confrontado pelo dilema: devo traduzir ao pé da letra o que o autor escreveu ou será que é melhor eu alterar um pouco as palavras e a ordem em que elas aparecem para me aproximar mais da "essência" do que ele quis transmitir? Então, com essa dúvida em mente, perguntava-me, aflito: existe mesmo essa "essência"? Se sim, eu sou capaz de saber qual ela é?

Deixo a questão para vocês, meus caros amigos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário