quarta-feira, 10 de outubro de 2018

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ÓCIO


Como tudo na vida, o ócio também pode ser benéfico ou maléfico para a nossa existência. A depender da predisposição a partir da qual lidamos com ele, o ócio pode ser um vício ou uma virtude (literalmente, oposição digna de gregos e troianos). Felizmente, no mundo contemporâneo, temos palavras distintas para cada espécie de ócio, e com base nos conceitos e interpretações dessas palavras podemos compreender nossos hábitos com maior clareza, sendo-nos possível realizar auto-avaliações mais sensatas e estruturar melhor nossas rotinas em busca de um equilíbrio ótimo entre produção eficiente e descanso revigorante.

O ócio negativo (inação, preguiça, ociosidade, vadiação, inatividade, procrastinação) é aquele que só traz prejuízos para a pessoa ociosa, a qual, improdutiva e apartada da vida social, decai em sua própria personalidade, tornando-se uma sombra de si mesma, um mero esboço de quem poderia ser. O ócio positivo, chamado de serendipidade, é aquele que surge entre dois períodos de intensa produtividade, recuperando e potencializando as forças do trabalhador, o intelecto do pesquisador e a inspiração do artista.

O ócio é importante, mas também é cheio de armadilhas. Ficar sem fazer nada pode ser fundamental para repormos nossas energias e para conquistarmos, pela serendipidade, paz de espírito e ideias mais elevadas, além de ser algo necessário para a meditação do autoconhecimento, sem a qual a vida entra em irrefletido modo-padrão e perde todo o seu brilho e significado. Por outro lado, a inatividade deturpada e viciosa, oriunda do comodismo, da preguiça ou do medo de encarar as dores e sabores do mundo real, descolore o ânimo e faz minguar as paixões, nos esvaziando tanto da vida quanto da vontade de viver.

Em trecho do estupendo Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, C. S. Lewis destaca com pena de mestre o quanto o ócio negativo gera um círculo vicioso de improdutividade, entorpecimento da mente, ausência de plenitude da personalidade e abatimento das potencialidades daquele que se deixa levar pela passagem do tempo sem praticar atividades que ao mesmo tempo lhe agradem e sejam úteis:

"O nada é bem forte: forte o bastante para roubar os melhores anos de uma pessoa, não em doces pecados, mas num sombrio devaneio da mente sobre sabe-se lá o que nem por que, na satisfação de curiosidades tão débeis que o homem se torna apenas semiconsciente delas, tamborilando os dedos e sapateando, assobiando canções das quais não gosta, ou em um longo e turvo labirinto de fantasias que não dão nem prazer nem satisfazem a ambição, mas que, tendo sido iniciadas pelo acaso, a criatura estará fraca e inebriada demais para delas se livrar".

Essa postura para com a vida é diametralmente oposta daquilo que chamo de "ócio positivo": o ócio que alimenta a alma e aguça a sensibilidade e a empatia; a meditação de Buda ou o mergulho no infinito oceano de consciência a se desdobrar eternamente dentro de si mesmo; dhyana; a atenção inespecífica da gestalt; o silêncio essencial de simplesmente ser; o sonho e a criatividade afinalística!

Ócio e trabalho não se opõem, antes se complementam. O principal é, sempre, o equilíbrio aliado ao auto-respeito, à auto-percepção e à auto-sinceridade. E nunca perder a capacidade de se deslumbrar, de se maravilhar como uma criança que pela primeira vez experimenta a leve brisa noturna sob o vasto céu estrelado.

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