quinta-feira, 18 de outubro de 2018

PENSAMENTOS ESTRANHOS E IMPRODUTIVOS


Decidi abrir uma seção nova aqui no blog, uma seção destinada apenas aos leitores mais intensamente curiosos e realmente dispostos a abrir a mente e o espírito para novas experiências existenciais, com todas as delícias e maravilhas que isso pode significar, mas também com todos os custos exigidos e os perigos inerentes. A seção será chamada "pensamentos estranhos e improdutivos", em referência à música do David Lynch. A ideia dos textos dessa seção é registrar aqueles pensamentos instáveis e fugidios que, como ágeis peixes fosforescentes, percorrem o mar insondável e incomensurável da totalidade da nossa mente e cruzam correndo os canais obscuros dos nossos neurônios em raios luzidios que são como o ofuscante brilho de um facada a abrir fendas no espesso véu da poeira e da teia de aranha fossilizada das nossas convicções, dos nossos preconceitos, das nossas crenças, dos nossos pontos de vista e de todos os outros limitadores da Consciência e da Imaginação.

Como andei reparando que os ensaios que eu usualmente publico aqui no blog são sérios e predominantemente racionais, e como, nesses ensaios, eu busco fazer investigações lúcidas a respeito de alguns temas que me agradam, sempre com uma abordagem que procura ser lógica, coerente e bem articulada, decidi que chegou a hora de derrubar certas fronteiras e abrir terreno para expandir o alcance deste blog. Como disse Pascal, "o último esforço da razão é reconhecer que existem infinitas coisas além da razão". Assim, para abranger um espectro mais amplo da experiência humana, a qual não conhece barreiras, a despeito da ilusão de severas limitações que nos impõem o cotidiano e a vida em sociedade, decidi estabelecer essa espécie de diário de experiências semi-oníricas hiper-pessoais. Isso porque não conseguimos escapar das seguintes perguntas fundamentais, para as quais precisamos encontrar respostas: o que somos nós senão o que pensamos? Se somos nossos pensamentos e não conhecemos todos os nossos pensamentos, então como sabemos quem de fato somos?

A exemplo dos surrealistas, esses textos serão redigidos em estados alterados de consciência (mas sem o uso de substâncias que a alterem), recusando quaisquer filtros morais, em escrita automática legítima, num fluxo psíquico contínuo e sem chiados exteriores, em busca da maior fidedignidade possível à mais profunda essência dos delírios, dos raciocínios, das reflexões, das imagens e de todos os demais acidentes sensoriais e aberrações mentais que porventura surgirem durante a escrita. Para isso, procurarei compor esses textos à noite ou de madrugada, em quartos escuros e fechados, de preferência em transe, em entrega total à auto-sinceridade e à investigação inespecífica de tudo aquilo que cruzar meus pensamentos. Para serem publicados aqui, os textos sofrerão apenas revisão estritamente gramatical, sem qualquer outra alteração, por mais que uma passagem ou outra possa vir a me envergonhar. Se eu der muita sorte, o resultado será a existência de alguns interessantes poemas em prosa; se as musas não sorrirem para mim nem uma única vez, ao menos terei guardados os resíduos espúrios de estranhos momentos que não voltam mais  pois cada pensamento é único e irrepetível, e cada um deles carrega em si a potência de todo um universo repleto de vida e energia.

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Estou constatando que um dos grandes prazeres da vida é ficar lutando contra o sono até entrar em estados de consciência alterados e sair falando coisas aleatórias e inconsequentemente espontâneas para pessoas queridas. Principalmente se a outra pessoa também estiver em semelhantes frequências mentais meio distorcidas e gostar desse tipo de compartilhamento de intimidade. Reparei também que isso fica bem mais divertido sem o uso de substâncias psicotrópicas, se a pessoa se permitir tal liberdade da alma e ignorar (ou não se importar com) o risco de parecer um lunático impertinente.

Não existe nada mais erótico do que o pensamento. Nada mais lascivo do que o delírio. A sensualidade de um raciocínio bem formado é digno da troca de ardentes olhares ambíguos com uma árabe encoberta em véus da mais fina seda do reino mágico. Todos nós sabemos que a sedução está mais no que não se mostra do que no que é mostrado. A sedução, como a inteligência e a sublimidade da poesia, é a alusão àquilo que não possui forma na matéria, é a sugestão em olhares maliciobondosos ao ponto infinitamente distante no qual supomos que as retas paralelas se encontram. Veja a geometria estranha do sexo, a álgebra inusitada do pré-gozo. Note como são docemente obscenas certas demonstrações matemáticas, que desnudam, que trazem aos nossos olhos órgãos sexuais metafísicos tão perfeitos, mas que ainda assim sugerem mais, prometem mais, sempre muito mais. Nas delícias do ocaso, dentes rígidos mordendo suculentos pêssegos de néctar nada proibido.

Oh, súditos da razão, contemplai as catedrais de ócio e livrai-vos do ópio!

Há uma história de um menino a quem perguntaram o que é um santo. O menino, pensando nos vitrais das igrejas, respondeu que os santos são aqueles pelos quais passa a luz. [pausa]. Santo é aquele pelo qual passa a luz, é aquele que deixa a luz passar... Creio que o menino esteja certo.

Há situações que só aparecem raríssimas vezes na nossa vida. Algumas aparecem uma vez só. Dizer não a elas talvez preserve nossa segurança, o que parece sensato sob o ponto de vista da pessoa. Mas a raridade desses eventos deveria ser suficiente para acender uma luz vermelha de alarme nos nossos corações. Por que não pensar em nível cósmico? Por que não dizer sim?

Sou um rio a correr, e cada segundo é um segundo que desaparecerá num segundo. Dizer sim à vida é essencial para preservar o que cada segundo presenteia ao rio que corre.

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