Para quem ainda não conhece, Cesar Bravo é um dos principais nomes na literatura de horror nacional. Entre contos e romances, ele já lançou mais de nove e-books com histórias misteriosas e sangrentas, todos eles disponíveis no site da Amazon por preços bastante acessíveis.
Na primeira vez em que ouvi falar do Cesar, confesso que olhei para a obra dele com uma certa carga de preconceito (talvez até com uma carga muito grande de preconceito, para ser sincero). Seja por um pouco de medo de concorrência, seja por aquela idealização romântica (e ultra-idiota) de que os bons escritores só existem no passado ou no exterior, o fato é que, num primeiro momento, não li os escritos do Cesar como eles mereciam ser lidos, e, portanto, não encontrei nada de demais neles (não fique "bravo" quando estiver lendo isso, Cesar; é exatamente como o personagem do Ernest Hemingway disse no filme "Meia Noite em Paris" quando um escritor pediu para que ele analisasse sua obra: "se for ruim, vou odiar, porque odeio literatura ruim. Se for bom, eu vou ficar com inveja, então vou odiar ainda mais. Não se deve pedir a opinião de outros escritores. Os escritores são competitivos").
Depois de algum tempo, percebi o tamanho da besteira que era agir dessa forma, em especial em meio a uma comunidade literária tão rarefeita quanto a do Brasil, onde os autores precisam se apoiar mutuamente, e não se digladiar, se quiserem permanecer vivos. Passei, então, a ler Cesar Bravo com um pouco mais de respeito, interesse e dignidade (no mínimo sem todo aquele bloqueio egoísta a que Hemingway se referiu – ainda que persistisse um inevitável pé atrás, devo admitir). Para minha surpresa, aquele escritor underground que, a princípio, eu achava ser apenas uma cópia mal-esboçada de Stephen King logo mostrou que tinha mais a oferecer e que, bem diferentemente do que minhas reprováveis pré-concepções sugeriam, era um ótimo escritor, com estilo próprio (ainda que nele se perceba demasiada influência do velho King) e com uma enorme dose de imaginação para preencher suas páginas com muito horror, sangue e espírito rock n' roll. Acima de tudo, o que mais me surpreendeu no Cesar foi sua genuína dedicação à literatura sangrenta e seu empenho constante em promover seu material sempre crescente de matéria-prima para o medo.
Fiquei tão entusiasmado em encontrar outro escritor brasileiro contemporâneo realmente dedicado ao terror que, sem perda de tempo, resolvi entrevistá-lo aqui para o blog (tanto para conhecê-lo mais a fundo quanto para levar aos leitores mais uma boa dica de leitura).
Eis o Cesar Bravo. |
Segue a entrevista completa:
MELVIN MENOVIKS: Cesar, fico muito contente de
você ter aceitado participar desta entrevista para o blog. Poucos escritores no
Brasil têm a sua coragem e o seu talento, e eu desconheço qualquer outro autor
de nosso país que seja mais sanguinolento do que você. Apesar de tê-lo conhecido há poucos
meses, já tive muitos bons momentos de sádico deslumbre com as suas histórias
e, além disso, fiquei admirado em perceber sua permanente atenção com os
leitores pelo facebook.
M.M.: Com certeza não é uma agenda fácil, mas tem sua beleza, não é mesmo? Então, vamos às perguntas: Cesar Bravo é um nome bastante impactante e adequado para um escritor de terror. Trata-se de um nome que possui força, alma e uma boa aparência gráfica, sem contar que é de fácil memorização. É seu nome mesmo ou um pseudônimo?
C.B.: Cesar Bravo? Mas de onde isso veio? Bem, não sou
o galã latino que aparece no Google, pode acreditar nisso. Sobre pseudônimos,
prefiro dizer que é o meu nome tribal. Algumas tribos (principalmente
africanas) fazem isso, sabe? Depois de certo tempo, as crianças ou os pais
escolhem um nome diferente do primeiro — esse primeiro nome geralmente tem
relação com o dia do nascimento ou alguma característica do bebê. Fiz o mesmo,
me rebatizei. Também gosto demais desse nome, diz muito com poucas palavras, é
basicamente como tento escrever.
M.M.: Você vem escrevendo há quanto
tempo? Já se aventurou por outros gêneros que não o terror? Como você considera
que se saiu?
C.B.: Venho escrevendo há muito tempo, pelo que me
lembro, desde sempre. Mas indo ao ponto mais preciso, comecei a pensar nisso como carreira — e parei de rasgar e apagar
o que escrevia — há quatro anos. Já me arrisquei por outros gêneros, sim. Tenho
Dark Fantasy e também ficção cientifica (além de um livro de poemas). Como me
saí? Não posso dizer ainda. Essa resposta é dos leitores e nenhum desses
romances foi publicado.
M.M.: Para você, qual a importância da
ficção de horror? O que você acha da violência no mundo real?
C.B.: Penso que o horror prepara você para o pior. O temor é
fundamental para a raça humana. Nós enxergamos melhor quando estamos
assustados, corremos mais depressa, nossos arrepios exaurem da pele sensações
indizíveis. Em minha opinião, o horror nos dá uma prévia das piores coisas
possíveis (e impossíveis) sem nos machucar de verdade. Por isso é tão
divertido. Na leitura e no cinema você pode sofrer, penar, morrer inclusive!
Mas é só por um tempinho, um grande barato, sem dúvida.
A
violência humana me aterroriza. Eu abomino a violência desmedida que nos cerca.
A vida humana já não vale muita coisa e, talvez por esse motivo, eu goste tanto
dos momentos em que escrevo. É como uma redoma. Lá fora, o mundo continua em
plena destruição; pessoas morrem, crianças sofrem. Nos livros encontro consolo
e alguma justiça.
M.M.: Quais as suas principais
inspirações para escrever?
C.B.: Inspiração. É um pouco difícil dissertar sobre
isso. Quase tudo me inspira. A velhice, a maldade, a esperança, uma briga de
casal na casa ao lado, um cachorro que late como um demônio quando a lua fica
vermelha. Praticamente tudo que eu absorvo extravasa em meus livros. Para ser
bem sincero, não tenho muito controle sobre como isso acontece. O que posso
dizer é que tenho tido sorte.
M.M.: Quais os seus escritores
favoritos na literatura mundial? E na literatura brasileira?
C.B.: Tenho dois nortes literários: Stephen King e Clive Barker
(acho que não preciso dizer mais nada, hã?). Também admiro H. P. Lovecraft,
Allan Poe, Richard Chambers; são meus autores clássicos favoritos. Sobre os
modernos, gosto de Peter Straub, Dean Koontz, Joe Hill, Neil Gaiman e William
P. Blatty. Leio de tudo um pouco, às vezes deixo um livro pela metade e parto
para outro, não por desinteresse, mas por ser um pouco indisciplinado para ler.
E eu absolutamente adoro Bukowski.
Na
cena de horror nacional, estou conhecendo muita coisa nova, mas ainda é cedo
para citar nomes. Admiro André Vianco, ele não está ali à toa, é um cara
talentoso e, sobretudo, alguém que soube construir uma carreira de sucesso.
M.M.: Quais escritores brasileiros
contemporâneos, no gênero terror, você indicaria, além de você mesmo? E em
outros gêneros?
C.B.: Gosto muito de poetas brasileiros. Jose de Alencar, Augusto
dos Anjos, Rubem Fonseca. E não deixo de dizer que Paulo Coelho tem livros
muito bons (Brida, Diário de um Mago e o Alquimista me acompanharam por um bom
tempo). Sobre os novos, gosto muito de Nelson Alexandre, Afobório Feito de
Carniça (Alexandre Durigon) e Guilherme Sakuma (Gilberto Sakurai).
Sobre
indicações, foi como eu disse, ainda é um pouco cedo, preciso ler muita gente e
não deixar autores talentosos à deriva. Prometo que faço isso logo, ok? Tenho
seu livro ("A Caixa de Natasha e outras histórias de horror"), inclusive. Uma leitura diferente, mais estilizada. Estou gostando
bastante!
M.M.: Fico feliz que você esteja gostando de meus delírios macabros. Temos estilos um tanto diferentes, mas também há pontos em comum entre eles. Você parece preferir mais o gore, com pitadas ácidas de sarcasmo; eu acredito que tenho uma tendência maior ao sobrenatural, ao onírico, com incursões por mundos mais brumosos e pelos mistérios do terror psicológico. Ainda assim, percebo que, de uma maneira geral, temos muitas preferências similares e buscamos explorar, na fantasia, realidades de medo e sombra que encontramos em nossos próprios corações. Mas isso, é claro, não somos nós que devemos dizer, e sim os leitores. Por isso, paro minhas divagações por aqui e lhe faço a próxima pergunta: você já escreveu alguma história
de que se arrependeu depois?
C.B.: Escrevi algumas histórias que me arrependi
depois. Quando você é iniciante, tende a colocar muita autobiografia nas obras.
Isso acaba com qualquer romance. Graças a Deus (ou ao concorrente), eles nunca
saíram da gaveta. Sobre as histórias publicadas, mesmo as mais sangrentas, não
tenho arrependimentos. Foi o que eu senti naquele momento, e se eu fui sincero,
isso me basta. Tive um chefe que sempre dizia: “É melhor pedir desculpas do que
pedir permissão”. Não costumo me arrepender.
M.M.: Alguma história já te torturou
pra valer para ficar pronta, quase te deixando louco? Como conseguiu superar as
dificuldades para colocá-la no papel?
C.B.: Meu último livro (uma ficção sobre universos
paralelos) me consumiu bastante. Precisei de muita pesquisa e mesmo assim a
coisa terminou parecendo um Frankenstein. Nos últimos dias antes de terminá-lo,
escrever estava ficando pesado, como eu nunca havia sentido antes. A superação
veio da teimosia. Eu nunca, nunca mesmo, abandono um romance até terminá-lo.
Você nunca sabe o que acharão do seu trabalho, imagina só, você olha aquela
coisa bizarra e diz: “Que grande merda”, e atira tudo no lixo. E depois se pega
remoendo o que teria sido dela. Eu não consigo lidar muito bem com o “SE”.
Prefiro terminar o trabalho para depois decidir o que faço com ele (alguns são
lixo mesmo, acontece...).
M.M.: Há alguma história sua que você
considera a mais violenta e repulsiva de todas?
C.B.: Tenho um livro sobre exorcismo. Eu não sei se o
publicarei um dia. Existem valores ali que realmente torcem a cabeça das
pessoas, inclusive a minha. Mas gosto de tê-lo na gaveta e lê-lo de vez em
quando. Sempre me surpreendo com o que está escrito.
M.M.: Gostaria de conhecer esse monstro secreto um dia desses... Agora, essa conversa me levou a pensar em uma outra crueldade: existe uma pergunta que eu adoro fazer
para os escritores, mas que detesto responder quando a fazem para mim. É uma
pergunta tão maldosa quanto perguntar para um pai qual é o seu filho predileto.
Ainda assim, insisto em fazê-la: para você, qual é a sua melhor história?
C.B.: Eu realmente não sei responder isso. Mas gosto
de dizer que a minha melhor história está em algum lugar aqui dentro, rangendo
os dentes e esperando um descuido para ganhar o mundo. Gosto demais do “Além da
Carne” e de “Ouça o que eu Digo”.
M.M.: Você é um dos escritores mais
dedicados e esforçados que eu conheço. Muitas pessoas ainda acreditam naquela baboseira
de que os autores só escrevem quando estão tomados por uma grande e
inexplicável inspiração quase divina, mas eu sei que você tem uma rotina
bastante rígida de trabalho (o que eu admiro muito). Conte-nos um pouco mais
sobre o seu processo criativo e sobre o que você acha que um escritor precisa
ter para ser realmente bom.
C.B.: Meu processo criativo é explosivo. Preciso de alguns minutos
em paz, deslizando os dedos pelo teclado, e então a coisa simplesmente
acontece. Não é sempre fácil, mas quase sempre me surpreendo com os resultados.
Eu não sei, mas talvez exista mesmo alguma coisa do outro lado, chamem de
oculto ou do que preferirem. A mágica acontece quando você se conecta a isso, a
essa força, então nada pode interromper o processo. Mas também tenho uma rotina
rígida de escrita, escrever é um trabalho e dou a ele o respeito que merece. Escrevo
pelo menos 1500 palavras por dia (prefiro 2000). E eu não consigo, no meio de
um projeto, parar tudo e dizer: “Ok; é hora de assistir o History Channel e
comer umas pizzas”. Prefiro manter minha rotina, todo o santo dia — não que
seja sacrificante.
Para
um escritor ser realmente bom, ele precisa de duas coisas: dedicação e paixão.
Nada na vida rende bons frutos sem essas duas sementes. Também precisa conhecer
bem o processo, isso envolve ler muito, escrever mais ainda, enfiar a cara em
material técnico, e deixar a mente aberta para o que acontece de novo no mundo.
Escrever sobre o passado (a menos que você seja um historiador) é chato e
clichê. Um escritor precisa ser antes de ser. Precisa estar disposto a pagar o
preço. Escrever não é para qualquer um, como nenhuma outra profissão é, ou você
nasce com aquilo, ou esqueça, é melhor alugar um terno.
M.M.: Seus livros, até agora, foram
publicados todos em e-books, mas
conheço seus constantes esforços para tê-los publicados em papel por uma grande
editora. Recentemente, pelo facebook, você vem dando alguns indícios sutis,
mais muito interessantes, nesse sentido, mas ainda não declarou nada
publicamente. E então, você já pode dizer se veremos em breve um livro físico
de Cesar Bravo?
C.B.: Chegou a grande questão. “Ei, Cesar, quando você vai ter um
livro físico?”
Meu
amigo, acho que ouvi mais vezes essa pergunta do que ouvi: “Vai escrever de
novo?!”. Mas não é um peso, é um elogio enorme! Bem, posso dizer que em 2016
terei um livro físico. Não sei (mesmo) qual será ele, ou a data precisa. Tenho
um contato muito forte com uma editora querida, mas nada assinado até agora. O
que posso dizer é que estou em boas mãos, tão certo quando digo que gosto de
escrever. Fiquem frios, guardem algum dinheiro, abram espaço em suas estantes.
O terror terá sim minha pequena colaboração.
M.M.: Cesar, muito obrigado pela atenção e por nos
conceder um pouco de seu tempo. Desejo boa sorte para você em sua carreira
literária. A ficção no Brasil – e não só a de terror, mas toda ela – merece
muito mais atenção e investimento do que vem recebendo, e encontrar esforços
apaixonados como o seu é realmente maravilhoso e motivador. Digo isso como
escritor e como leitor. E, é claro, já estou reservando um espaço na estante para sua próxima surpresa. Grandes abraços!
C.B.: Melvin, meu amigo. Muito obrigado pelo convite, por suas
palavras, pelos elogios que não sei se mereço, enfim, por acreditar em meu
trabalho. Agradeço também por confiar seu livro à minha leitura (fiquei muito
feliz em recebê-lo).
Adorei responder a todas as perguntas. Você teve tato, teve sutileza, sem deixar de abordar os temas mais relevantes. Um forte abraço a você e aos seus leitores. Nunca desista, não pense que a estrada é longa demais. Eu garanto a vocês que existem potes de ouro aqui e ali, é questão de seguirmos em frente.
Adorei responder a todas as perguntas. Você teve tato, teve sutileza, sem deixar de abordar os temas mais relevantes. Um forte abraço a você e aos seus leitores. Nunca desista, não pense que a estrada é longa demais. Eu garanto a vocês que existem potes de ouro aqui e ali, é questão de seguirmos em frente.
Quer conhecer mais histórias que os escritores têm para contar a respeito de seus trabalhos, influências e inspirações? Não deixe de conferir a seção "Os desafios de ser escritor", aqui no blog!
Parabéns pela entrevista. Há tempos procuro autores nacionais de terror e achei bacana a visão que esse autor tem acerca da literatura e do próprio ofício da escrita.
ResponderExcluirO Cesar tem uma boa quantidade de material interessante. No Brasil, há alguns bons escritores no gênero de terror/horror, mas, infelizmente, pela falta de incentivo e, consequentemente, de perspectiva, a maioria deles não consegue desenvolver muito suas habilidades e acaba não dando mais do que alguns passos no mundo da literatura. Então o terror nacional acaba ficando restrito a pequenos círculos que, para piorar, não duram muito.
ExcluirDe bons livros de terror de autores brasileiros que eu conheço, além do Cesar, tem os do veterano R. F. Lucchetti (esse cara é uma lenda, e haverá entrevista com ele aqui no blog em breve!). Também posso citar o meu "A Caixa de Natasha e outras histórias de horror", que, inclusive, está em promoção até a noite de Halloween (confira neste link: http://melvinmenoviks.blogspot.com.br/2015/10/promocao-de-halloween-livro-caixa-de.html ).
Abraços!
Muito boa a entrevista!
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