quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Entrevista com CESAR BRAVO

Para quem ainda não conhece, Cesar Bravo é um dos principais nomes na literatura de horror nacional. Entre contos e romances, ele já lançou mais de nove e-books com histórias misteriosas e sangrentas, todos eles disponíveis no site da Amazon por preços bastante acessíveis.

Na primeira vez em que ouvi falar do Cesar, confesso que olhei para a obra dele com uma certa carga de preconceito (talvez até com uma carga muito grande de preconceito, para ser sincero). Seja por um pouco de medo de concorrência, seja por aquela idealização romântica (e ultra-idiota) de que os bons escritores só existem no passado ou no exterior, o fato é que, num primeiro momento, não li os escritos do Cesar como eles mereciam ser lidos, e, portanto, não encontrei nada de demais neles (não fique "bravo" quando estiver lendo isso, Cesar; é exatamente como o personagem do Ernest Hemingway disse no filme "Meia Noite em Paris" quando um escritor pediu para que ele analisasse sua obra: "se for ruim, vou odiar, porque odeio literatura ruim. Se for bom, eu vou ficar com inveja, então vou odiar ainda mais. Não se deve pedir a opinião de outros escritores. Os escritores são competitivos").

Depois de algum tempo, percebi o tamanho da besteira que era agir dessa forma, em especial em meio a uma comunidade literária tão rarefeita quanto a do Brasil, onde os autores precisam se apoiar mutuamente, e não se digladiar, se quiserem permanecer vivos. Passei, então, a ler Cesar Bravo com um pouco mais de respeito, interesse e dignidade (no mínimo sem todo aquele bloqueio egoísta a que Hemingway se referiu  ainda que persistisse um inevitável pé atrás, devo admitir). Para minha surpresa, aquele escritor underground que, a princípio, eu achava ser apenas uma cópia mal-esboçada de Stephen King logo mostrou que tinha mais a oferecer e que, bem diferentemente do que minhas reprováveis pré-concepções sugeriam, era um ótimo escritor, com estilo próprio (ainda que nele se perceba demasiada influência do velho King) e com uma enorme dose de imaginação para preencher suas páginas com muito horror, sangue e espírito rock n' roll. Acima de tudo, o que mais me surpreendeu no Cesar foi sua genuína dedicação à literatura sangrenta e seu empenho constante em promover seu material sempre crescente de matéria-prima para o medo.

Fiquei tão entusiasmado em encontrar outro escritor brasileiro contemporâneo realmente dedicado ao terror que, sem perda de tempo, resolvi entrevistá-lo aqui para o blog (tanto para conhecê-lo mais a fundo quanto para levar aos leitores mais uma boa dica de leitura).
Eis o Cesar Bravo.
Segue a entrevista completa:

MELVIN MENOVIKS: Cesar, fico muito contente de você ter aceitado participar desta entrevista para o blog. Poucos escritores no Brasil têm a sua coragem e o seu talento, e eu desconheço qualquer outro autor de nosso país que seja mais sanguinolento do que você. Apesar de tê-lo conhecido há poucos meses, já tive muitos bons momentos de sádico deslumbre com as suas histórias e, além disso, fiquei admirado em perceber sua permanente atenção com os leitores pelo facebook.

CESAR BRAVOSaudações, meu amigo. Bom, antes de qualquer coisa, quero agradecer pelo espaço e pelo interesse de me conhecer um pouco mais — sei como ninguém da agenda corrida que nós, escritores, temos.

M.M.: Com certeza não é uma agenda fácil, mas tem sua beleza, não é mesmo? Então, vamos às perguntas: Cesar Bravo é um nome bastante impactante e adequado para um escritor de terror. Trata-se de um nome que possui força, alma e uma boa aparência gráfica, sem contar que é de fácil memorização. É seu nome mesmo ou um pseudônimo?

C.B.Cesar Bravo? Mas de onde isso veio? Bem, não sou o galã latino que aparece no Google, pode acreditar nisso. Sobre pseudônimos, prefiro dizer que é o meu nome tribal. Algumas tribos (principalmente africanas) fazem isso, sabe? Depois de certo tempo, as crianças ou os pais escolhem um nome diferente do primeiro — esse primeiro nome geralmente tem relação com o dia do nascimento ou alguma característica do bebê. Fiz o mesmo, me rebatizei. Também gosto demais desse nome, diz muito com poucas palavras, é basicamente como tento escrever.

M.M.: Você vem escrevendo há quanto tempo? Já se aventurou por outros gêneros que não o terror? Como você considera que se saiu?

C.B.Venho escrevendo há muito tempo, pelo que me lembro, desde sempre. Mas indo ao ponto mais preciso, comecei a pensar nisso como carreira — e parei de rasgar e apagar o que escrevia — há quatro anos. Já me arrisquei por outros gêneros, sim. Tenho Dark Fantasy e também ficção cientifica (além de um livro de poemas). Como me saí? Não posso dizer ainda. Essa resposta é dos leitores e nenhum desses romances foi publicado.

M.M.: Para você, qual a importância da ficção de horror? O que você acha da violência no mundo real?

C.B.: Penso que o horror prepara você para o pior. O temor é fundamental para a raça humana. Nós enxergamos melhor quando estamos assustados, corremos mais depressa, nossos arrepios exaurem da pele sensações indizíveis. Em minha opinião, o horror nos dá uma prévia das piores coisas possíveis (e impossíveis) sem nos machucar de verdade. Por isso é tão divertido. Na leitura e no cinema você pode sofrer, penar, morrer inclusive! Mas é só por um tempinho, um grande barato, sem dúvida.

A violência humana me aterroriza. Eu abomino a violência desmedida que nos cerca. A vida humana já não vale muita coisa e, talvez por esse motivo, eu goste tanto dos momentos em que escrevo. É como uma redoma. Lá fora, o mundo continua em plena destruição; pessoas morrem, crianças sofrem. Nos livros encontro consolo e alguma justiça.

M.M.: Quais as suas principais inspirações para escrever?

C.B.Inspiração. É um pouco difícil dissertar sobre isso. Quase tudo me inspira. A velhice, a maldade, a esperança, uma briga de casal na casa ao lado, um cachorro que late como um demônio quando a lua fica vermelha. Praticamente tudo que eu absorvo extravasa em meus livros. Para ser bem sincero, não tenho muito controle sobre como isso acontece. O que posso dizer é que tenho tido sorte.

M.M.: Quais os seus escritores favoritos na literatura mundial? E na literatura brasileira?

C.B.: Tenho dois nortes literários: Stephen King e Clive Barker (acho que não preciso dizer mais nada, hã?). Também admiro H. P. Lovecraft, Allan Poe, Richard Chambers; são meus autores clássicos favoritos. Sobre os modernos, gosto de Peter Straub, Dean Koontz, Joe Hill, Neil Gaiman e William P. Blatty. Leio de tudo um pouco, às vezes deixo um livro pela metade e parto para outro, não por desinteresse, mas por ser um pouco indisciplinado para ler. E eu absolutamente adoro Bukowski.

Na cena de horror nacional, estou conhecendo muita coisa nova, mas ainda é cedo para citar nomes. Admiro André Vianco, ele não está ali à toa, é um cara talentoso e, sobretudo, alguém que soube construir uma carreira de sucesso.

M.M.: Quais escritores brasileiros contemporâneos, no gênero terror, você indicaria, além de você mesmo? E em outros gêneros?

C.B.: Gosto muito de poetas brasileiros. Jose de Alencar, Augusto dos Anjos, Rubem Fonseca. E não deixo de dizer que Paulo Coelho tem livros muito bons (Brida, Diário de um Mago e o Alquimista me acompanharam por um bom tempo). Sobre os novos, gosto muito de Nelson Alexandre, Afobório Feito de Carniça (Alexandre Durigon) e Guilherme Sakuma (Gilberto Sakurai).

Sobre indicações, foi como eu disse, ainda é um pouco cedo, preciso ler muita gente e não deixar autores talentosos à deriva. Prometo que faço isso logo, ok? Tenho seu livro ("A Caixa de Natasha e outras histórias de horror"), inclusive. Uma leitura diferente, mais estilizada. Estou gostando bastante!

M.M.: Fico feliz que você esteja gostando de meus delírios macabros. Temos estilos um tanto diferentes, mas também há pontos em comum entre eles. Você parece preferir mais o gore, com pitadas ácidas de sarcasmo; eu acredito que tenho uma tendência maior ao sobrenatural, ao onírico, com incursões por mundos mais brumosos e pelos mistérios do terror psicológico. Ainda assim, percebo que, de uma maneira geral, temos muitas preferências similares e buscamos explorar, na fantasia, realidades de medo e sombra que encontramos em nossos próprios corações. Mas isso, é claro, não somos nós que devemos dizer, e sim os leitores. Por isso, paro minhas divagações por aqui e lhe faço a próxima pergunta: você já escreveu alguma história de que se arrependeu depois?

C.B.Escrevi algumas histórias que me arrependi depois. Quando você é iniciante, tende a colocar muita autobiografia nas obras. Isso acaba com qualquer romance. Graças a Deus (ou ao concorrente), eles nunca saíram da gaveta. Sobre as histórias publicadas, mesmo as mais sangrentas, não tenho arrependimentos. Foi o que eu senti naquele momento, e se eu fui sincero, isso me basta. Tive um chefe que sempre dizia: “É melhor pedir desculpas do que pedir permissão”. Não costumo me arrepender.

M.M.: Alguma história já te torturou pra valer para ficar pronta, quase te deixando louco? Como conseguiu superar as dificuldades para colocá-la no papel?

C.B.Meu último livro (uma ficção sobre universos paralelos) me consumiu bastante. Precisei de muita pesquisa e mesmo assim a coisa terminou parecendo um Frankenstein. Nos últimos dias antes de terminá-lo, escrever estava ficando pesado, como eu nunca havia sentido antes. A superação veio da teimosia. Eu nunca, nunca mesmo, abandono um romance até terminá-lo. Você nunca sabe o que acharão do seu trabalho, imagina só, você olha aquela coisa bizarra e diz: “Que grande merda”, e atira tudo no lixo. E depois se pega remoendo o que teria sido dela. Eu não consigo lidar muito bem com o “SE”. Prefiro terminar o trabalho para depois decidir o que faço com ele (alguns são lixo mesmo, acontece...).

M.M.: Há alguma história sua que você considera a mais violenta e repulsiva de todas?

C.B.Tenho um livro sobre exorcismo. Eu não sei se o publicarei um dia. Existem valores ali que realmente torcem a cabeça das pessoas, inclusive a minha. Mas gosto de tê-lo na gaveta e lê-lo de vez em quando. Sempre me surpreendo com o que está escrito.

M.M.: Gostaria de conhecer esse monstro secreto um dia desses... Agora, essa conversa me levou a pensar em uma outra crueldade: existe uma pergunta que eu adoro fazer para os escritores, mas que detesto responder quando a fazem para mim. É uma pergunta tão maldosa quanto perguntar para um pai qual é o seu filho predileto. Ainda assim, insisto em fazê-la: para você, qual é a sua melhor história?

C.B.Eu realmente não sei responder isso. Mas gosto de dizer que a minha melhor história está em algum lugar aqui dentro, rangendo os dentes e esperando um descuido para ganhar o mundo. Gosto demais do “Além da Carne” e de “Ouça o que eu Digo”.

M.M.: Você é um dos escritores mais dedicados e esforçados que eu conheço. Muitas pessoas ainda acreditam naquela baboseira de que os autores só escrevem quando estão tomados por uma grande e inexplicável inspiração quase divina, mas eu sei que você tem uma rotina bastante rígida de trabalho (o que eu admiro muito). Conte-nos um pouco mais sobre o seu processo criativo e sobre o que você acha que um escritor precisa ter para ser realmente bom.

C.B.: Meu processo criativo é explosivo. Preciso de alguns minutos em paz, deslizando os dedos pelo teclado, e então a coisa simplesmente acontece. Não é sempre fácil, mas quase sempre me surpreendo com os resultados. Eu não sei, mas talvez exista mesmo alguma coisa do outro lado, chamem de oculto ou do que preferirem. A mágica acontece quando você se conecta a isso, a essa força, então nada pode interromper o processo. Mas também tenho uma rotina rígida de escrita, escrever é um trabalho e dou a ele o respeito que merece. Escrevo pelo menos 1500 palavras por dia (prefiro 2000). E eu não consigo, no meio de um projeto, parar tudo e dizer: “Ok; é hora de assistir o History Channel e comer umas pizzas”. Prefiro manter minha rotina, todo o santo dia — não que seja sacrificante.

Para um escritor ser realmente bom, ele precisa de duas coisas: dedicação e paixão. Nada na vida rende bons frutos sem essas duas sementes. Também precisa conhecer bem o processo, isso envolve ler muito, escrever mais ainda, enfiar a cara em material técnico, e deixar a mente aberta para o que acontece de novo no mundo. Escrever sobre o passado (a menos que você seja um historiador) é chato e clichê. Um escritor precisa ser antes de ser. Precisa estar disposto a pagar o preço. Escrever não é para qualquer um, como nenhuma outra profissão é, ou você nasce com aquilo, ou esqueça, é melhor alugar um terno.

M.M.: Seus livros, até agora, foram publicados todos em e-books, mas conheço seus constantes esforços para tê-los publicados em papel por uma grande editora. Recentemente, pelo facebook, você vem dando alguns indícios sutis, mais muito interessantes, nesse sentido, mas ainda não declarou nada publicamente. E então, você já pode dizer se veremos em breve um livro físico de Cesar Bravo?

C.B.: Chegou a grande questão. “Ei, Cesar, quando você vai ter um livro físico?”

Meu amigo, acho que ouvi mais vezes essa pergunta do que ouvi: “Vai escrever de novo?!”. Mas não é um peso, é um elogio enorme! Bem, posso dizer que em 2016 terei um livro físico. Não sei (mesmo) qual será ele, ou a data precisa. Tenho um contato muito forte com uma editora querida, mas nada assinado até agora. O que posso dizer é que estou em boas mãos, tão certo quando digo que gosto de escrever. Fiquem frios, guardem algum dinheiro, abram espaço em suas estantes. O terror terá sim minha pequena colaboração.

M.M.Cesar, muito obrigado pela atenção e por nos conceder um pouco de seu tempo. Desejo boa sorte para você em sua carreira literária. A ficção no Brasil – e não só a de terror, mas toda ela – merece muito mais atenção e investimento do que vem recebendo, e encontrar esforços apaixonados como o seu é realmente maravilhoso e motivador. Digo isso como escritor e como leitor. E, é claro, já estou reservando um espaço na estante para sua próxima surpresa. Grandes abraços!

C.B.: Melvin, meu amigo. Muito obrigado pelo convite, por suas palavras, pelos elogios que não sei se mereço, enfim, por acreditar em meu trabalho. Agradeço também por confiar seu livro à minha leitura (fiquei muito feliz em recebê-lo).

Adorei responder a todas as perguntas. Você teve tato, teve sutileza, sem deixar de abordar os temas mais relevantes. Um forte abraço a você e aos seus leitores. Nunca desista, não pense que a estrada é longa demais. Eu garanto a vocês que existem potes de ouro aqui e ali, é questão de seguirmos em frente.

Quer conhecer mais histórias que os escritores têm para contar a respeito de seus trabalhos, influências e inspirações? Não deixe de conferir a seção "Os desafios de ser escritor", aqui no blog!

3 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista. Há tempos procuro autores nacionais de terror e achei bacana a visão que esse autor tem acerca da literatura e do próprio ofício da escrita.

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    1. O Cesar tem uma boa quantidade de material interessante. No Brasil, há alguns bons escritores no gênero de terror/horror, mas, infelizmente, pela falta de incentivo e, consequentemente, de perspectiva, a maioria deles não consegue desenvolver muito suas habilidades e acaba não dando mais do que alguns passos no mundo da literatura. Então o terror nacional acaba ficando restrito a pequenos círculos que, para piorar, não duram muito.

      De bons livros de terror de autores brasileiros que eu conheço, além do Cesar, tem os do veterano R. F. Lucchetti (esse cara é uma lenda, e haverá entrevista com ele aqui no blog em breve!). Também posso citar o meu "A Caixa de Natasha e outras histórias de horror", que, inclusive, está em promoção até a noite de Halloween (confira neste link: http://melvinmenoviks.blogspot.com.br/2015/10/promocao-de-halloween-livro-caixa-de.html ).

      Abraços!

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