quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Entrevista com Rô Mierling


Certo dia, tive a ideia de travar uma conversa por e-mail com uma escritora de cujo trabalho gosto muito: Rô Mierling, autora do livro "Diário de uma Escrava", que está sendo editado pela Darkside Books. Enviei a ela, então, o convite para uma entrevista, embora acreditasse que ela estaria ocupada demais para poder responder. Poucas horas depois, contudo, recebi com entusiasmo sua aceitação, a partir da qual tomei como um desafio pessoal elaborar perguntas atraentes, interessantes e relevantes tanto para os leitores quanto para eventuais aspirantes a escritor que acessem o blog e – por que não? – para nós mesmos. Não sei se obtive sucesso nesse desafio, mas garanto que cada linha foi escrita com ânimo e sincera curiosidade.

Eis a conversa que tivemos:

MELVIN MENOVIKS: Rô Mierling, minha cara, é um prazer imenso poder entrevistá-la para o blog. Quando eu a convidei para este bate-papo, prometi que tentaria evitar aquelas perguntas clichês que sempre aparecem nas entrevistas com escritores. De algumas, entretanto, é difícil fugir, e logo estas primeiras já vão ser as rainhas dos lugares-comuns, as perguntas que sempre fazem aos escritores e que você já deve ter respondido um trilhão de vezes: como e por que você começou a escrever? De onde surgiu sua paixão pela literatura? Quais as suas preferências de leitura? O que a motiva a continuar escrevendo?

R.M.: O prazer é meu em estar contigo e com nossos leitores. Comecei a escrever no ano 2000, como ghost writer. Leio desde os 9, uma paixão inabalável. Gosto de ler de tudo um pouco, mas hoje prefiro terror, horror, suspense, policial e um pouco de drama. Sou motivada pelo meu desejo de mostrar, via literatura, a realidade cruel que nos cerca e nunca é somente em outra cidade, outra casa, mas que pode ser, inclusive, dentro de nossas vidas. E estar preparado para o mal é a melhor forma de enfrentá-lo.
M.M.: Corrija-me se eu estiver enganado, mas percebo, a partir de suas histórias, que sua fonte de inspiração literária é bem diferente da minha. Enquanto eu me interesso mais pelos mistérios abstratos dos sonhos e pesadelos, parece-me que sua inclinação é mais para a violência real, do dia-a-dia: aquela que pode estar acontecendo neste exato momento, que salta aos olhos de todos mas que ninguém parece ver (ou, por conforto, finge não ver). Observando isso, sinto, de certa maneira, como se em nossos trabalhos explorássemos facetas diversas, mas complementares, de um mesmo fenômeno: enquanto sua abordagem é preocupada com o real, com as consequências factuais, físicas e até sociais da violência (sem desprezar o lado psicológico, é claro), eu procuro explorar os motores psíquicos e simbólicos mais obscuros que propulsionam ou permeiam essa mesma violência, normalmente de forma metafórica e fantasiosa. Vendo com olhos de escritor, essa diferença entre nossa forma de pensar e trabalhar me desperta grande curiosidade. Confesso que, se eu tentasse imitar seu estilo, fatalmente criaria algo que valeria pouco mais do que um noticiário sensacionalista. Você, contudo, consegue extrair dessa abordagem realista um resultado muito mais significativo e importante, quase sempre com tons de crítica social. Estou certo em minha percepção? Como você encara sua forma de criação literária e como você pretende afetar o leitor com ela? Conte-nos um pouco sobre o assunto. 

R.M.: Você está certo, gosto do terror real. Porque dos mortos não tenho medo, mas temo os vivos. Gosto de minha forma de criação literária porque aproxima o leitor da realidade que ele pensa ser coisa de jornal, quando na verdade pode estar sentado ao lado de um psicopata. Gosto de mostrar ao leitor que fantasmas existem e moram diabolicamente dentro de cada um de nós e que, para eles nos possuírem, basta dar lugar. Todos podemos ser e provocar um terror social, e conhecer esse cenário impede isso em prol da paz e do amor ao próximo, que AINDA são relevantes. 

M.M.: Seu projeto mais recente foi uma coletânea de contos curtos, mas impactantes, denominada “Pedaços de mim – Crueldade, realidade, sobrenatural”. Como você sabe, eu adoro esses contos curtos (os chamados “microcontos”) e já até me aventurei na criação de alguns deles, motivado pelo seu desafio dos microcontos de cem toques. Gostaria de conhecer mais sobre seu livro. De onde surgiu e ideia para “Pedaços de mim”? Como foi o processo de criação? Como vem sendo a expectativa e as reações do público?

R.M.: Fiz um projeto com novos autores para estimular a criação minimista de contos. Por soberba e inveja de outros pseudoautores, o projeto teve que ser cancelado, mas pude levar meu próprio projeto adiante e assim o fiz. Me desfiz dos meus pedaços mais terríveis e os coloquei nesse livro. A cada fato terrível que eu escutava ou tomava conhecimento eu escrevia um microconto, TODOS eles são possivelmente reais. Já vendemos muitos na pré-venda e estamos todos ansiosos para receber. Os envios serão feitos a partir do dia 15 de outubro.
"Pedaços de Mim", a mais recente publicação da Rô Mierling. 
M.M.: Além de escritora, você também faz parte da Editora Illuminare, que está constantemente empenhada na descoberta, no apoio e no desenvolvimento de novos talentos da literatura. Mais de uma vez já expressei minha admiração pelo seu trabalho incansável na Illuminare, mas preciso fazê-lo de novo, desta vez de modo público, atestando que incentivos assim são raros em nosso país. Dar voz a essa multidão de jovens escritores sedentos por encontrar quem os reconheça e lhes dê um mínimo de apoio é imprescindível para o desenvolvimento de nossa cultura, que é tão carente de identidade e valorização.

Na Illuminare, vocês lidam com vários autores iniciantes, que têm ainda um conhecimento incipiente de gramática e estruturas narrativas. Embora eu saiba que muitos desses autores tenham talento de sobra, como já pude constatar diversas vezes na leitura de algumas de suas antologias, imagino que boa parte do material que lhes é enviado possua aquelas falhas naturais dos primeiros esforços literários de uma pessoa. Sei, também, que a seleção que vocês fazem dos materiais enviados é minuciosa, garantindo a boa qualidade das publicações. Isso tudo me deixa com uma dúvida: por certo, existem casos de autores com grande imaginação que, por inexperiência, acabam não conseguindo expressar de forma tão eficiente tudo aquilo que tinham dentro de si. Nesses casos, como vocês procedem? Vocês enviam feedbacks para os autores, incentivam-nos de alguma maneira, aconselham-nos a trabalhar em cima dos pontos fracos?

R.M.: Sou assessora editorial e coordeno antologias para muitas editoras, e a Illuminare é uma delas. Quando recebemos contos que não atingem o objetivo, não os selecionamos e informamos ao autor o motivo de forma mais didática possível para que ele possa se desenvolver mais e conseguir atingir os focos esperados. Todos podem conseguir, se estudarem e praticarem. A escrita é uma arte e deve ser praticada para ser levada a PERTO da perfeição. 

M.M.: Com tantos projetos vindo um atrás do outro, sua vida deve ser bastante corrida. Como é sua rotina? Como você consegue organizar tantas tarefas e garantir, ainda assim, uma qualidade satisfatória?

R.M.: LOUCA, minha vida é insana. Mas tenho um filho e um marido ANJOS que me ajudam muito. E assim vamos tocando a carroça em frente. 

M.M.: Atualmente você está morando na Argentina. Pelos seus relatos no facebook, constatei que a cultura aí é bastante diferente da nossa, sobretudo no que diz respeito à valorização da literatura. Compartilhe com a gente um pouco de sua experiência nesse país!

R.M.: Morar em Buenos Aires é MARAVILHOSO. A cultura, a valorização da literatura, inclusive a brasileira, é gratificante. Recebemos uma excelente acolhida com nossos projetos culturais e literários em terras argentinas. Temos problemas, violência, inflação, mas ainda temos muita qualidade de vida e valorização cultural, o que compensa os problemas que todo pais tem. 

M.M.: Já foi anunciado que você tem um livro a ser lançado pela Darkside Books, a qual vem realizando um trabalho editorial exemplar em nosso país. Qual será esse livro? O que você pode adiantar para a gente a respeito dele? Como está sendo o trabalho da Darkside com você?

R.M.: Será o livro Diário de uma Escrava, um livro tenso e dramático, desaconselhável para pessoas frágeis. Trabalhar com a Dark é tudo, é gratificante e divertido. NÃO posso contar mais que isso, mas o livro esta saindo e será phodástico. 
M.M.: Na visão da Rô Mierling, o que é mais importante na literatura: inspiração ou transpiração? Discorra sobre o assunto!

R.M.: O mais importante é você saber se você tem o DOM. Precisa ter ao menos 5% de DOM para se inspirar e transpirar literatura. Se nem todos conseguem tocar violino, por que todos acham que conseguirão escrever? É uma arte, precisa ter dom, depois, sim, vem a inspiração, e a transpiração é só o resultado final da corrida. 

M.M.: Para Rô Mierling, o que é mais importante na literatura: inovação temática ou qualidade técnica? Discorra sobre o assunto!

R.M.: Qualidade técnica de poder pegar um tema comum e transformá-lo num livro INESQUECÍVEL. Inovação temática hoje em dia esta complicado, só se tentarmos algo como fwaklmvvõiinfvsdv. Mas eu ainda não consegui uma entrevista com esse ser para poder escrever sobre ele (risos).

M.M.: Qual a sua visão a respeito do atual mercado literário brasileiro e quais as suas perspectivas para o futuro? 

R.M.: O mercado está meio confuso, com tanta gente escrevendo sobre coisas que não são literatura. Se não começarmos a entender a diferença entre literatura e vontade de publicar algo comercialmente, o futuro é nebuloso. Mas temos fé que o leitor sabe diferenciar literatura de produto puramente comercial. 

M.M.: Para encerrar, que mensagem você pode deixar para nossos leitores? 

R.M.: LEIA, nunca deixe de ler. A literatura de qualidade pode mudar sua vida, como mudou a minha.

M.M.: Rô, muitíssimo obrigado pela atenção e pela amabilidade. Desejo-lhe sucesso em seus projetos e muita felicidade, sempre. 

R.M.: Só posso agradecer, o carinho, a oportunidade e as perguntas criativas. Amei. Beijos Dark.

2 comentários:


  1. Gostei por demais da entrevista! Parabéns à você e, a entrevistada. Adorei conhecer um pouco mais da escritora. Abraço!

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    1. Também adorei ter esse bate-papo com a Rô Mierling. Fico feliz que você tenha gostado! Um abração, Luciano!

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