terça-feira, 16 de junho de 2015

OS DESAFIOS DE SER ESCRITOR – Introdução e primeira parte

INTRODUÇÃO


Esta seção do blog, intitulada de “Os desafios de ser escritor”, é dedicada a todos os escritores iniciantes que, assim como eu, são pirados o suficientes para pretender construir uma carreira literária em um país de proporções continentais que tem menos livrarias do que a cidade de Buenos Aires sozinha. Além de para esses insanos sonhadores que fazem parte de um dos mais belos batalhões do mundo, as palavras que aqui escreverei também serão destinadas a todas as pessoas que queiram conhecer um pouco mais desse doce, árduo e maravilhoso trabalho que é a criação de sonhos e emoções por meio da palavra escrita.

Assim sendo, para os aspirantes a escritor, para os escritores já estabelecidos que queiram comparar experiências, impressões e perspectivas sobre o mercado editorial, para todos os adoráveis curiosos ávidos por explorar a fundo o fascinante mundo da literatura contemporânea, viva e em construção, e mesmo para o leitor ocasional que queira apenas um bom texto para se divertir, farei confissões e comentários reflexivos (mas não entediantes ou pretensamente filosóficos) a respeito de todos os principais aspectos da vida de um escritor e dos desafios que este encontra desde o primeiro esboço de ideais até para além da comercialização de sua obra – sem deixar de lado a escrita propriamente dita, as intermináveis etapas de revisão, o estudo necessário para uma boa construção narrativa, a relação com editoras, público, amigos, críticos e engraçadinhos arrogantes que desrespeitam seu trabalho, a energia para não desanimar frente às próprias limitações e a força necessária para lidar com as inevitáveis angústias e sentimentos conflitantes que surgem nesse processo todo, o qual é cheio de adversidades e tormentos internos.

Para realizar essa tarefa complexa – que, na verdade, não passa de um ponto de vista pessoal a ser debatido e amadurecido –, pretendo relatar algumas de minhas experiências mais interessantes e significativas (muitas delas engraçadas, se vistas agora), mas também vou me basear em comparações que fiz com outros escritores e em leituras de autores famosos que já realizei sobre o assunto. Comprovarei, por fim, com fatos surpreendentemente reais, que existem muito mais problemas e desafios para que um livro chegue prontinho às mãos do leitor do que qualquer pessoa de fora possa imaginar (o caminho é realmente impressionante, permeado de altos e baixos!). Para completar, ao longo dos textos darei dicas sobre como sobreviver sendo um escritor e sobre como conviver com as pessoas que o cercam (a título de exemplo, posso dizer que há quem ache que, sendo um escritor, você automaticamente conseguirá fama e rios de dinheiro; outras pessoas pensam que você vai enlouquecer e morrer de fome – se já não é um louco varrido e faminto).

Sem mais delongas, segure-se firme na cadeira e prepare-se para histórias reais sobre escritores que são mais inimagináveis do que a própria ficção que eles escrevem.

Boa leitura! ;)


PARTE 1 – Primeiros passos

Stephen King escreveu, no segundo prefácio de seu clássico “Sobre a Escrita”, que “a maioria das obras sobre a escrita está cheia de baboseiras” – e isso é essencialmente verdade. Um bom escritor deve gastar seu tempo criando, e não falando sobre como ele faz isso (mesmo porque ele quase nunca sabe realmente como ele faz isso). No entanto, esse monte de “baboseira” parece atrair a atenção de muitos leitores, mexendo com seus imaginários e cativando-os em níveis muito íntimos (falar sobre a escrita é pegar o leitor de jeito por onde ele é mais vulnerável: a imaginação. E você ainda está lendo esta baboseira, não está?).

Em verdade, mesmo quando a análise é realmente um blábláblá interminável para boi dormir, ela acaba servindo para alguma coisa – ainda que seja apenas para mostrar como esse negócio de escrever é ardilosamente viciante e exige prática constante, dedicação permanente e muito trabalho duro, mesmo quando nada parece fazer sentido e todos os esforços parecem inúteis (aliás, o que de importante na vida não é assim?).

Além disso, é fato incontestável que não existe ninguém pior para escrever sobre a criação literária do que um escritor iniciante, principalmente quando esse escritor iniciante se dedica a um dos gêneros mais subvalorizados na literatura séria (o terror) e mora em um país em que a grande maioria das pessoas não dá a mínima para livros – e se importa ainda menos com aqueles que os escrevem. Tendo tudo isso em mente, é fácil perceber que eu só posso ter alguns parafusos a menos na cabeça para levar a cabo essa ideia de falar sobre a escrita ficcional em uma página de internet. É como pedir para não ter mais acessos no blog!

Mesmo tendo alguns parafusos a menos, é isso que estou fazendo, e espero que vocês se divirtam com isso tudo assim como eu estou me divertindo, ou ainda mais! Para começar, reuni aqui alguns dos trechos mais interessantes de uma conversa que tive com a editora para a divulgação do meu livro “A Caixa de Natasha e outras histórias de horror”, na qual conto um pouco sobre como comecei a escrever e explico as diferenças entre “terror” e “horror” (reservei algumas partes igualmente bacanas da entrevista para textos futuros aqui no blog):

Pergunta: Como você resolveu ser escritor?

Resposta: É difícil precisar um ponto específico que fez com que eu desenvolvesse o interesse pela escrita ficcional, pois isso não ocorreu de uma hora para a outra. Mas tenho certeza de que o cinema contribuiu com uma influência imprescindível – inesperada e curiosa – nesse processo todo.

Quando era criança, eu não tinha o hábito de ler com frequência, mas já gostava bastante dos livros. Do que eu gostava ainda mais, contudo, era o cinema, em especial o de suspense e terror. Na verdade, para mim, a ficção de terror sempre foi muito mais do que uma preferência qualquer ou uma mera curiosidade temporária – ela foi e é um verdadeiro estilo de vida. Desde que me lembro, a ficção de terror (seja no cinema, na literatura, na música, na fotografia ou em qualquer outro meio em que ela possa se manifestar) tem uma importância decisiva em minha vida, impulsionando-me a buscá-la, a conhecê-la a fundo e a torná-la um dos pilares de minha existência. É um fascínio permanente que faz parte do meu modo de ser.

Há uns seis ou sete anos, resolvi fazer um filme de terror com alguns amigos. Na época, eu não tinha recursos, atores, cenários ou sequer uma câmera (e alguns diriam que nem mesmo idade para isso!). Mas eu tinha ideias, vontade e bons amigos – e isso foi o suficiente. Fizemos um curta-metragem amador bem simples, e até que ele ficou legalzinho. Com o passar dos anos, fomos fazendo mais filmes, cada vez com maior qualidade e ousadia, superando com criatividade e obstinação as limitações que a falta de dinheiro e equipe técnica nos impunham. Durante esses anos, fui descobrindo a Literatura e todas as possibilidades que ela fornece. Nela, ao contrário de no cinema, não há limitações que não aquelas do próprio autor (pelo menos não na fase de escrita propriamente dita; edição e publicação são outras histórias). Escrevendo, não precisamos nos preocupar com dinheiro, patrocinador ou recursos materiais, e podemos criar e explorar universos que, de outra forma, talvez nunca imaginaríamos. E essa magia faz com que, no percurso, descubramos muitas coisas dentro de nós mesmos, expandindo nosso espírito de formas surpreendentes.

Como marco simbólico, foi quando um amigo meu me apresentou uma antologia de contos de terror organizada pelo Alfred Hitchcock que eu percebi que eu também poderia me aventurar pela literatura. Nesse tempo eu já gostava de Poe e Conan Doyle, mas os escritores ainda me pareciam lendas distantes, sagradas e intocáveis, e não seres-humanos reais, de carne e osso, que efetivamente criaram aquelas páginas. Quando percebi que eu também poderia fazer algo semelhante, assim com meu amigo, entrei nesse mundo e, desde então, não saí mais.

Pergunta: Qual a sua idade? Com quantos anos você começou a escrever?

Resposta: Estou com 21 anos. Não me recordo ao certo da idade em que comecei a escrever para valer. Creio que foi com 16 ou 17, quando eu passei a ler com maior frequência e conheci mais a fundo escritores como Poe, Lovecraft e Stephen King. Dostoiévsky e Machado de Assis também foram muito importantes no desenvolvimento da minha consciência e do meu estilo literários. Mas também tive muitas influências fora da Literatura, em especial nas pinturas de Salvador Dalí e no cinema de Dario Argento, Mario Bava, Alfred Hitchcock, Luis Buñuel, Alejandro Jodorowsky, George Romero, John Carpenter e, mais recentemente, David Lynch e Rodrigo Aragão, dentre tantos outros.

Pergunta: Qual é o gênero do seu livro?

Resposta: Terror e horror.

Pergunta: Qual é a diferença entre um e outro?

Resposta: Há uma diferença sutil entre o que é “terror” e o que é “horror”, mas procuro explorá-los em níveis iguais. Pode-se dizer, de maneira bem simples e resumida, que o terror tem mais a ver com elementos sobrenaturais e com a sensação de antecipação de uma emoção forte no leitor (como quando uma porta vai se abrindo lentamente na escuridão e, aflitos, não sabemos o que há por trás dela); o horror, por outro lado, é a emoção impactante propriamente dita, tendo mais relação com a aparição súbita e explícita do monstro grotesco que estava abrindo a porta para nos assustar. De certa forma, terror e horror são elementos que caminham juntos para a construção de uma boa história, assim como o mistério e o suspense, na clássica diferenciação feita por Alfred Hitchcock (no mistério, eu pressinto que algo vai acontecer, mas não sei o que ou o porquê; no suspense, eu sei que algo vai acontecer e também sei o que vai acontecer, mas não sei necessariamente quando ou de que forma, o que deixa meus nervos à flor da pele).

***

Na próxima publicação aqui no blog, falarei mais a respeito de processos de escrita e de como eu tive a ideia para escrever o livro, bem como de minha longa jornada para concluí-lo.

Para finalizar, para quem ainda não viu ou não conhece os filmes que produzi de forma independente com meus amigos, segue o principal deles, SOMNIUM, de 2012:


(Agradecimentos especiais vão para Murilo Toffanelli, Paulo Isepan, Dilter Oliveira, Beatriz Oliveira, Luiz Henrique Romero, Hítalo Corredeira e para todo mundo que, de uma forma ou de outra, consolidou comigo esse curta-metragem).

Clique aqui para ler a segunda parte da entrevista.

2 comentários:

  1. Ah, claro, depois volto aqui pra ler tudo. E você é um parceirão nesse assunto!

    Abraços!

    Sergio Sena.

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